14.10.2025 –
“Eleições do passado dia 12 de Outubro mostram como a sedução da imagem e do espetáculo pode também impactar o voto local

Narciso – Caravaggio1599 – Óleo sobre tela: Galeria Nacional de Arte Antiga, Roma (Itália)

Em Cantanhede, as eleições autárquicas de 12 de outubro de 2025 revelaram mais do que disputas de percentagens: mostraram como a política local se transformou num palco em que a emoção e a imagem muitas vezes substituem o debate concreto. Entre tradições eleitorais e novas vozes disruptivas, o eleitorado navega entre o reflexo e a realidade.

Tal como aconteceu um pouco por todo o país, a aceleração dos tempos, a saturação das imagens e o domínio da emoção sobre a razão transformaram o palco político numa arena assente numa luta das perceções. É neste contexto que o voto tradicional nos partidos do denominado aparelho autárquico encontra adversidades — não apenas na força de programas eleitorais diferenciados, mas também na onda intangível da ressonância simbólica da imagem e da sua presença multimodal. Gilles Lipovetsky diria que este terreno traduz, em parte, os postulados de uma sociedade hipermoderna. Isto é, tudo é acelerado mas nada é concreto. Espaços públicos como o café — esses herdeiros da pólis grega ou do forum romano — que, para Jürgen Habermas, eram contextos profícuos para a ocorrência do debate e do contraditório, a essência de uma esfera pública saudável, transformaram-se em posts, scrolls e feeds.

É neste cenário cada vez mais instável que forças políticas como o Chega encontram terreno fértil para plantar a sua retórica. O seu crescimento, embora ainda diminuto, na nossa terra, decorre não tanto da força programática, mas da ressonância simbólica, assente predominantemente no domínio do emocional. Em Cantanhede, apesar do avassalador voto tradicional no PSD e depois no PS, vive-se um paradoxo: assiste-se à sedução de novas vozes que prometem rutura. Embora o partido dominante mantenha a maioria — sustentada, também, num símbolo que pesa sobretudo nas gerações mais velhas —, as narrativas baseadas na dramatização da realidade permitiram que esta nova força política conquistasse lugares sufragados que são simbólicos, não de poder, mas de visibilidade. À luz do situacionismo de Guy Debord, pode dizer-se que no dia 12 de outubro se confirmou a persistência da era da encenação: um tempo em que a performance, mesmo, por vezes, vazia, se sobrepõe à força do debate de ideias e de argumentação. A aparência suplanta o conteúdo. O espetáculo não é apenas um modo de comunicar — é já uma forma de existir. O autarca deixou de ser apenas gestor para também se tornar numa personagem; isto é, um construto em que o eleitorado passou a ser o target.

No entanto, num país em que se assistem a mudanças radicais, Cantanhede é, por enquanto, um microcosmo onde o voto nos partidos tradicionais ainda impera com maior impacto. Contudo, importa reconhecer que é na sedução de uma realidade social cada vez mais mediada por imagens e espetáculos — e menos pelo diálogo e pela experiência — que o futuro eleitorado se localiza. Hoje, mais do que nunca, percebe-se que a política vive da sedução do reflexo e não da realidade. A verdadeira questão está em adivinhar por quanto tempo o eleitorado será capaz de distinguir uma da outra. Porque, no fim, é fundamental compreender que entre um like e um voto persiste uma diferença avassaladora: o voto implica responsabilidade. E a democracia, para funcionar, não se faz de espetáculos — mas sim de compromissos.

Luís Miguel Pato
Profissional de Comunicação e Professor Universitário”




