PRAIA DE MIRA: “Figuras que foram esquecidas” (Manuel Gabriel)

01.12.2022 –

“Na década de cinquenta existiam na Praia de Mira, três grandes companhas que davam emprego a cerca de setenta a oitenta pessoas diretas, pertenciam estas companhas a três empresas, eram elas a Vagueira, o Figueiredo, e a Companha Nova.

Além de todas estas pessoas que trabalhavam diretamente nas ditas companhas, havias ainda outras pessoas que quanto a mim mereciam ao menos uma pequena recordação escrita numa ruela qualquer, por alguém a que de direito, e que fossem lembrados estes homens de que falo, que se não fossem eles muitas das vezes não iam os barcos ao mar.

Estes eram simplesmente denominados os carreiros, ou boieiros como lhes queiram chamar, cada um tinha uma linda junta de bois que eram bastante obedientes aos seus donos, e que tinham uma força incalculável que à fala dos seus donos quando era necessário ou vinha o que puxavam ou partia o cabo que eles puxavam, eram uns animais corpulentos dóceis e fácies de dominar. Aqui destaco os ditos carreiros seus donos, que ficaram perdidos no esquecimento, que se fala muito de tudo o que diz respeito às artes de outrora, mas nunca ouvi falar destes homens que tinham também a sua cota-parte, nas companhas.

Então vejamos em cada companha trabalhavam onze juntas de bois, estava sempre uma a descansar quando se estava a cordear, que pertencia ir todos os lanços empurrar o barco para o mar.

Há aqui um pormenor, decerto que toda a gente se lembra quando a rede saia do mar, depois de uma grande tarefa que os animais tiveram, andando sempre à carreira ao tirar a rede do mar, só paravam a mandado dos seus donos, quando saia rede do mar com o peixe.

Era aqui que os ditos carreiros iam lá a baixo ao saco, e logo que o Mestre-Redes abria o saco o primeiro peixe a sair era para eles que normalmente seria umas sardinhas e umas savelhas que não demoravam muito tempo que não estivesse um fogareiro aceso bem próximo de cada abougaria.

E enquanto os barcos iam novamente para o mar, levavam os animais á barrinha beber água e quando chegavam já os fogareiros estavam prontos para assar o peixe fresquinho dessa hora, então intensificava-se um odor inigualável em toda a Praia que fazia crescer água na boca de qualquer um, que uma sardinha em cima de um naco de broa fazia cobiça a quem presenciava tal cena, então apraz-me dizer que eu e muitos mais pequenos como eramos parávamos por ali perto, na esperança de que um ou dois destes homens nos oferecesse alguma sardinha, o que nós muito rapidamente aceitavamos.

Nesse tempo eram no mínimo trinta e três juntas desses animais, que colaboravam nesta faina de pesca hoje totalmente mecanizada, e os CARREIROS seriam do vizinho lugar do Casal, Lagoa, Mira, Seixo, Cabeças Verdes, Barra, e ás vezes até da Gafanha.

Gostaria imenso de dizer os nomes de todos eles mas não chego lá.

Lembro-me daqueles que trabalhavam na companha onde eu também trabalhava, que era João do Pito, João Costa, Corriola, Albino Sarilho, Canudo, João Reinol, Caramelo, João Ribeiro, e muitos mais que agora não sei dizer o nome, Paz ás suas almas de todos eles.

Não quero encerrar este texto, sem deixar aqui o meu agradecimento a alguns destes homens, que tantas vezes me mataram a fome, a mim e a muitos meninos da minha idade, que por ali brincavam a minha sincera homenagem a todos eles.

Texto de: Manuel Gabriel