17.2.2024 –
A promoção de uma cultura laboral que inclua iniciativas anti-estigma e a integração destas ações nos programas de formação em psiquiatria e pedopsiquiatria, bem como a pertinência da psicoterapia e da discussão de casos entre pares são algumas das recomendações centrais apontadas por um estudo europeu, em que participaram 4 245 psiquiatras e pedopsiquiatras de 32 países, entre os quais Portugal.
Este estudo procurou identificar o estigma na prática clínica destes profissionais de saúde mental e faz parte de uma investigação que tem vindo a ser conduzida em 32 países da Europa. A investigação em curso pretende contribuir para que, futuramente, sejam implementadas medidas capazes de diminuir o estigma associado à saúde mental na prática clínica.
Intitulado Attitudes of psychiatrists towards people with mental illness: a cross-sectional, multicentre study of stigma in 32 European countries, publicado na revista eClinicalMedicine, editada pela The Lancet – liderado pela psiquiatra do Hospital Psiquiátrico Infantil e Adolescente de Vadaskert (Hungria), Dorottya Őri –, este estudo teve como objetivo central “analisar a relação entre as experiências vividas na primeira pessoa dos psiquiatras e pedopsiquiatras participantes e as suas atitudes estigmatizantes em relação a pessoas com doença mental”, explicam as investigadoras do Instituto de Psicologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), Ana Telma Pereira e Carolina Cabaços, que participam como coordenadoras nacionais neste projeto europeu.
“Segundo a definição original do cientista social Erving Goffman, o estigma refere-se a qualquer atributo que reduz alguém nas nossas mentes, de uma pessoa normal e completa para outra que está reduzida, contaminada”, contextualizam as investigadoras. Na área da saúde, o estigma pode traduzir-se, por exemplo, “em dificultar o acesso a cuidados de saúde, tratar alguém com excessivo paternalismo ou condescendência ou desvalorizar as queixas do doente, entre outras atitudes e consequências, sendo um inegável promotor de desigualdade social”, sublinham.
As investigadoras referem ainda que “as pessoas que sofrem de uma doença mental estão entre os grupos sociais mais estigmatizados, que, devido ao estigma e à antecipação negativa de experiências de discriminação, frequentemente evitam pedir ajuda e aderem parcamente ao tratamento”. “Numa perspetiva mais abrangente, o estigma em relação à doença mental tem sido também considerado um dos principais obstáculos ao financiamento adequado de avanços técnico-científicos na área da psiquiatria”, acrescentam.
Para analisar o estigma nos 32 países europeus (Hungria, Portugal, Dinamarca, Lituânia, Áustria, Turquia, Albânia, Azerbaijão, Ucrânia, Eslovénia, Croácia, Sérvia, Rússia, Estónia, França, Chéquia, Irlanda, Grécia, Montenegro, Eslováquia, Letónia, Malta, Bulgária, Bielorrússia, Itália, Suíça, Alemanha, Países Baixos, Reino Unido, Bélgica, Espanha e Chipre), a equipa de investigação utilizou a Opening Minds Stigma Scale for Health Care Providers (OMS-HC), uma ferramenta que tem sido utilizada mundialmente para analisar atitudes estigmatizantes entre profissionais de saúde, e cujas propriedades psicométricas nos 32 países participantes foram aferidas num estudo anterior, publicado pela mesma equipa de investigação.
“Esta escala, em que são atribuídas pontuações entre 15 e 75 pontos – correspondendo as pontuações mais elevadas a atitudes mais estigmatizantes – é constituída por 15 itens de autorresposta, distribuídos por três subescalas, que avaliam as seguintes dimensões: atitudes face a pessoas com doença mental; ocultação e procura de ajuda; e distância social”, explicam as investigadoras.
“No global, a média das pontuações na amostra total foi relativamente baixa: 30.47, correspondendo a cerca de 40% do total da escala, revelando, assim, que a maioria dos psiquiatras participantes no estudo reportam atitudes globalmente positivas face à doença mental”, elucidam Ana Telma Pereira e Carolina Cabaços.
Sobre o contexto nacional, as investigadoras explicam que “Portugal apresentou uma média de 32.47 no total da escala de estigma, ligeiramente acima da média do total de participantes, tendo sido o 6.º país com a pontuação média mais elevada na OMS-HC, a seguir à Letónia (35.98), Ucrânia (35.02), Bielorrússia (35.01), Bulgária (33.09) e Chéquia (32.82)”. Participaram no estudo 148 psiquiatras de adultos e de crianças e adolescentes portugueses, de todas as regiões do país, a maioria psiquiatras de adultos (82,4%).
Em geral, os profissionais dos 32 países que obtiveram pontuações mais baixas de estigma (ou seja, que evidenciaram atitudes mais positivas em relação à doença mental) eram “os que estavam rodeados de atitudes positivas por parte de colegas, que participavam em grupos de discussão de casos, que estavam ativamente envolvidos em práticas psicoterapêuticas ou que tinham uma experiência pessoal com doença mental”, explica a equipa de investigação portuguesa. “Estes foram os fatores significativamente associados ao desenvolvimento de atitudes mais favoráveis por parte dos psiquiatras e pedopsiquiatras relativamente aos seus doentes por toda a Europa”, acrescentam.
Para o caso português, Ana Telma Pereira e Carolina Cabaços pretendem em breve publicar mais resultados nacionais e recomendações mais detalhadas, o que “irá permitir retirar e extrapolar conclusões mais específicas do nosso contexto nacional, que esperamos que possam vir a contribuir para a implementação de medidas mais eficazes para mitigar este relevante problema de saúde pública que é o estigma associado à doença mental, e do qual os profissionais de saúde mental não se encontram isentos”.
A participação das investigadoras da Universidade de Coimbra neste estudo europeu prende-se com o interesse de ambas pela área do estigma associado à doença mental, sendo este o tema de doutoramento de Carolina Cabaços, que é também médica psiquiatra do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e assistente convidada da FMUC. A tese de doutoramento é orientada pelo docente da Faculdade de Medicina da UC e diretor do Instituto de Psicologia Médica da FMUC, António Macedo; pelo docente da FMUC e coordenador científico do Centro de Imagem Biomédica e Investigação Translacional da UC, Miguel Castelo-Branco; e por Ana Telma Pereira.
Universidade de Coimbra