Em Paradela e Granjinha, Tabuaço, vive-se da agricultura e das reformas

Em Paradela e Granjinha, as ruas não são habitadas, não há espaços comuns para convívio e a igreja acaba por ser o ponto de encontro de alguns dos habitantes que há muito deixaram de ouvir o barulho de crianças.

Paradela e Granjinha, no concelho de Tabuaço e distrito de Viseu, perdeu 45% da sua população nos últimos 10 anos e é a freguesia mais pequena de Portugal continental, com 99 habitantes, segundo os Censos de 2021.

As ruas de Paradela estão desertas. O dia começa a aquecer e “as pessoas ficam em casa na hora do calor e a tratar do almoço, porque já não dá para se trabalhar na agricultura com este sol”, alerta Maria dos Remédios Ferreira, em declarações à Lusa na quinta-feira.

Aos 73 anos, Maria dos Remédios “podia escrever um livro” com as histórias de vida que tem para contar. Mas ter alguém para a ouvir “é coisa rara”, por isso, apesar de “não gostar de dar entrevistas, acaba por se sentar no muro e conversar”.

“A solidão é muito triste e custa muito. Aqui, já não há muita gente para conversar. Somos cada vez menos. Mas também quem é que quer cá viver? Não há cá nada! Nem um café! Antigamente ainda tínhamos um café, mas fechou há mais de um ano, claro, não devia dar para as despesas da luz”.

Natural de Paradela, no concelho de Tabuaço, a norte do distrito de Viseu, Maria dos Remédios Ferreira é viúva e vive sozinha, “os filhos vivem noutras cidades, onde há trabalho”, e os locais de convívio acabaram com o fecho do café “há cerca de um ano”.

“Agora, quando se quer encontrar alguém é na missa e mesmo aí não vai muita gente”.

Um despovoamento que dá a “liberdade de não usar máscara, porque também não é preciso, não há ninguém na rua”, justificou Maria dos Remédios em jeito de desculpa por não a ter a sua no rosto quando foi abordada pela agência Lusa.

Mais acima, também de regresso a casa, vai Paula Alcobio, uma das habitantes mais novas da freguesia e que aos 40 anos é mãe de seis filhos, entre um ano de vida e os 18. E “todos eles, os que falam, estão sempre a dizer que assim que puderem vão embora, porque não há nada que os prenda” a Paradela.

“Só há mais três crianças, mas não saem de casa, não há um parque para brincarem, não têm nada. Agora nas férias ou estão em casa ou nas terras enquanto ando a trabalhar”, contou Paula Alcobio, que disse que, neste momento, mandou os filhos para o Porto, “passar férias, em casa de familiares, para conhecerem outra realidade”.

O autocarro não vai à localidade, passa dois quilómetros abaixo, na estrada principal, às terças e quintas-feiras e, para lá chegar, Paula Alcobio vai a pé, mas Maria dos Remédios Ferreira conta com a carrinha da câmara que sobe ao aglomerado habitacional para levar os habitantes até autocarro que liga a Tabuaço, sede do concelho, a cerca de nove quilómetros.

“As compras são feitas com antecedência e, se de repente faltar alguma coisa, pedimos uns aos outros e há sempre alguém com carro que acaba por dar boleia ou por trazer da vila o que é preciso. É assim, contamos uns com os outros”, disse Maria dos Remédios Ferreira, que não tem carta de condução.

Maria dos Remédios Ferreira contou que vive da reforma do falecido marido e conta com o apoio dos filhos e de irmãos que, quando a visitam, “trazem até sacos de compras, porque viver só da reforma não é fácil, para a medicação e tudo” o que é necessário e depois “tem-se os produtos que se vão colhendo das terras”.

“Há por aí muita casa à venda e outras estão a cair, mas ninguém as quer, claro, e não é por serem caras, é porque ninguém quer vir para cá. Quem é que quer viver aqui sem trabalho? Só os reformados que têm a sua reformazinha para viver”, contou Maria dos Remédios.

Mais em baixo, a cerca de três quilómetros de distância, está a povoação da Granjinha, que conta com 29 habitantes, diz “com toda a certeza” António Ribeiro, um militar da GNR reformado que é secretário na junta de freguesia e que adotou a terra da esposa como sua.

“Estou reformado, mas não paro. Só hoje já abri a porta do [Convento de] São Pedro [das Águias] a duas pessoas e, desde o início do ano, já abri, só eu, a 296 turistas. Hoje saí pela manhã para levar estas duas vizinhas a Tabuaço, às compras, mas não cobro pelas viagens, faço por solidariedade”, admitiu António Ribeiro.

O Convento de São Pedro das Águias é um ponto turístico “muito visitado por quem anda pelo Douro e vai ao Rio Távora”, explica António Ribeiro, explicando que o monumento fica nas encostas do rio.

“As pessoas descem aqui a rua para lá irem, porque também é o único caminho. É a rua do volta atrás e é a que atravessa a localidade”, explicou o antigo militar que já se habitou a “ver mais pessoas de fora do que descendentes da Granjinha” a passar pela rua da povoação.

Na Granjinha, “o senhor António é quem ajuda” a população, porque “ele tem transporte e acaba por levar as pessoas a fazer as compras necessárias, ou levar alguém ao centro de saúde, se for preciso”, explicou Olga Lopes.

Esta habitante mudou-se para a Granjinha “há uns anos”, quando a sogra partiu um braço e percebeu que “ela não podia ficar a viver sozinha”, não só pela diminuição da mobilidade como pela própria idade. Atualmente, Domitila Augusta é a freguesa mais velha, com 94 anos feitos em fevereiro.

“Aqui o que é que podemos fazer? Nada, a não ser dedicarmo-nos à agricultura, é o que fazemos, mas nem é para vender, é para nos alimentarmos e pouco mais. O que é que se pode fazer? Nada”, soltou Olga Lopes, com 50 anos.

Um conformismo geral de quem habita na freguesia e que não foi apanhado de surpresa com os números dos Censos de 2021, divulgados na quarta-feira pelo instituto Nacional de Estatística (INE).

Lusa