Região de Coimbra quer ficar com creche histórica abandonada na Figueira da Foz

A comunidade intermunicipal da Região de Coimbra (CIM/RC) quer passar para a sua propriedade a antiga Casa da Criança Infanta D. Maria, um edifício histórico da Figueira da Foz, detido pelo Estado, que hoje está ao abandono.

A Casa da Criança Infanta D. Maria, construída na década de 1940 no âmbito da obra assistencial do professor Bissaya Barreto, chegou a funcionar como creche e era um jardim-de-infância da rede pública, tutelado pelo Ministério da Educação, quando encerrou há oito anos, no final do ano letivo de 2011.

O edifício de dois pisos, devoluto desde então, encontra-se ao abandono, com portões e portas abertas, interior vandalizado, tetos falsos e loiça de casas de banho destruídas, e o antigo refeitório e despensas anexas utilizadas como dormitórios de ocasião por parte de pessoas que têm acedido àqueles espaços, constatou a agência Lusa no local.

Nas divisões que albergaram salas de aula e de outras atividades, ainda hoje permanecem registos diversos que recordam o antigo jardim-de-infância de Santa Catarina, a denominação que este possuía aquando do seu encerramento, então adstrito ao Agrupamento de Escolas da Zona Urbana, depois de ter sido um Centro de Estimulação Precoce da Infância: há um mapa de pessoal afixado, menus de refeições com data de 2011, armários abertos com restos de louça de cozinha, lençóis e almofadas e decorações variadas em paredes e a penderem dos tetos, lembrando épocas festivas.

Os efeitos da tempestade Leslie, ocorrida em outubro de 2017, fizeram-se igualmente sentir no telhado do antigo jardim-de-infância – conhecido por Ninho dos Passarinhos, devido aos pequenos pássaros, em ferro, que existiam no portão principal, já desaparecido.

A água da chuva que cai pelo buraco aberto na cobertura inundou o piso do salão que abre para uma varanda virada ao mar, onde são visíveis destroços de uma caleira de águas pluviais que circundava o edifício, ferrugenta pelo passar dos anos sem manutenção.

No exterior, apesar da vegetação abundante que cresce desordenada, a entrada principal – que se fazia pelo telheiro coberto em semicírculo sustentado por cinco colunas, desenho característico de algumas das Casas da Criança, como as existentes em Condeixa-a-Nova ou na freguesia dos Olivais (Coimbra) ou Pombal e Figueiró dos Vinhos (Leiria), entre outras – preserva ainda o painel de azulejos original que representa a Infanta D. Maria e seu pai, o rei D. Manuel.

Numa resposta escrita enviada à Lusa, sobre a situação do edifício e a sua propriedade, a CIM/RC esclareceu que apesar de em 2015 aquele organismo ter ficado com os bens da Assembleia Distrital de Coimbra, cujo inventário, à partida, incluía a Casa da Criança Infanta D. Maria, “verificou-se que o referido imóvel tinha sido doado à Obra Social do Ministério da Educação e Cultura por escritura celebrada em 14 de maio de 1987”, não sendo propriedade da comunidade intermunicipal.

“Verifica-se, no entanto que, atendendo ao facto de o imóvel estar encerrado há vários anos e não se encontrar afeto às finalidades previstas na respetiva escritura de doação, a CIM Região de Coimbra encetou conversações com o Ministério da Educação com vista à reversão do imóvel, aguardando resposta da tutela”, adiantou.

À Lusa, o presidente da CIM/RC e autarca da Figueira da Foz, João Ataíde, confirmou esta intenção da comunidade intermunicipal, lembrando que a Casa da Criança Infanta D. Maria era património da Junta Provincial da Beira Litoral e que depois do 25 de Abril esses bens passaram para a Assembleia Distrital (organismo autárquico participado pelos municípios que compõem um distrito) e que a escritura de doação ao Ministério da Educação foi elaborada pelo então governador civil de Coimbra, Cipriano Martins, em 1987.

Perguntámos à senhora secretária de Estado da Educação qual era a sua intenção [em relação ao edifício], uma vez que já não é ali ministrada qualquer prática de apoio à criança, tal qual estava no desígnio inicial. Esta questão não é clara, a secretária de Estado mostrou-se muito solícita, até para a reverter e agora os serviços [da secretaria de Estado] resolveram pedir um parecer à Procuradoria-Geral da República, que tem poderes vinculativos, para saber o que fazer”, enfatizou João Ataíde.

Embora o edifício esteja aparentemente adstrito aos Serviços Sociais da Administração Pública – organismo que absorveu os Serviços Sociais do Ministério da Educação, responsáveis pela última intervenção de requalificação ali realizada, em 1990 – o autarca antecipou que se se mantiver na esfera do Estado e não reverter para a CIM/RC, a Casa da Criança poderá ser incluída nas competências atribuídas às autarquias em matéria de Educação no âmbito da Lei da Descentralização.

Quanto à situação precária do prédio, degradado e vandalizado, João Ataíde admitiu a intervenção da Câmara Municipal “para preservar alguma integridade do edifício”, nomeadamente impedindo o acesso ao seu interior.

Edificada na encosta poente da colina que separa o parque verde das Abadias da praia da Figueira da Foz, entre as ruas Joaquim Sotto Mayor e Alexandre Herculano, a Casa da Criança Infanta D. Maria foi inaugurada em agosto de 1943, em terreno cedido pelo município, tendo a construção sido financiada, entre outros, pela própria Câmara Municipal (com verbas da receita de jogo do Casino local), Grémio dos Armadores de Navios de Pesca e do Ministério das Obras Públicas, lê-se na tese de doutoramento “Arquitetura Hospitalar e Assistencial promovida por Bissaya Barreto”, de Ricardo de Azevedo e Silva.

Sobre o edifício, o autor da tese sustenta que na construção original o piso superior “albergava as salas principais, dos bebés e crianças, assim como os respetivos cobertos de recreio, ficando no piso inferior a cozinha, refeitório, arrumos e acesso à zona de recreio”.

“A sua localização é privilegiada, reforçando o cuidado que Bissaya Barreto empregava, sempre que possível, na escolha dos terrenos. Implantada na encosta que separa a zona costeira e o Parque das Abadias, detinha uma excelente exposição solar e proporcionava uma paisagem com horizonte no Atlântico”, descreve Ricardo de Azevedo e Silva.

Lusa