“Hoje é noite de óscares. Há uns anos, tinha como hábito assistir, ou tentar assistir em direto a cada certame destes. Ficava horas acordado só para ver a entrega das estatuetas no “Dolby Theatre” – aguardando com expectativa pelos óscares de melhor filme, melhor realizador e melhor ator e atriz. Hoje, muito por culpa dos média digitais, já não o faço. No entanto, sim, confesso – sou um cinéfilo sem qualquer cura.
Porém, dizer que o motivo desta perda de hábito é devido à “mera” alteração de ecologia digital é redutor. Um dos principais motivos para este meu afastamento deste certame; desta feira de vaidades, é mesmo a manifesta falta de clareza das variáveis que justificam a entrega destes prémios. Isto é, o que é preciso para ganhar um destes reconhecimentos…
Não é que seja apologista da imposição de uma métrica para o efeito, pois a arte não se mede, frui-se. Porém, recordo, há uns anos, ter ouvido o comediante britânico Ricky Gervais dizer a Kate Winslet – “viste o que te disse Winslet, faz um filme acerca do Holocausto e ganharás um óscar” a propósito desta ter conseguido o óscar para melhor atriz no filme “O Leitor” (2008) que aborda precisamente este assunto. E sim, existem temas que têm uma maior possibilidade de conseguir este tipo de reconhecimento, do que outros – e tal ocorre independentemente da qualidade da obra. Senão veja-se, por exemplo, os seguintes filmes que abordam este assunto, para além do supramencionado, e que foram premiados – “A Lista de Schindler” (1993), “O Pianista” (2003), “O Filho de Saul” (2015).
Existem ainda os filmes que abordam direta ou indiretamente assuntos como a homossexualidade/LGBT – como por exemplo – “Filadélfia” (1993), “As Aventuras de Priscilla” (1994), “Deuses & Monstros” (1998), “Os Rapazes não choram” (1999), “Beleza Americana” (1999), “Tudo acerca da minha mãe” (1999), “As Horas” (2002), “Monstro” (2003), “Capote” (2005), “Brokeback Mountain” (2005), “Milk” (2008), “Cisne Negro” (2010), “O Clube de Dallas” (2013) etc.
Não retirando a qualidade em crescendo da esfera cinematográfica que é nomeada anualmente; nem sequer me atrevo a colocar em causa a qualidade das obras que cito – algumas das quais verdadeiros marcos no cinema contemporâneo. No entanto, existem uma série de injustiçados que a academia teima em não reconhecer. Veja-se por exemplo os seguintes atores/atrizes – Jake Gyllenhaal (“Donnie Darko”), Edward Norton (“Birdman”, “American History X”), Glen Close (“A esposa”), David Oyelowo (“O Mordomo”, “Selma”), Annette Benning (“Beleza Americana”). Isto para não falar de realizadores.
Neste contexto, recordo “apenas” os seguintes nomes e alguma da sua cinematografia: Orson Welles (“Guerra dos Mundos”, “Citizen Kane” – “O Mundo a seus pés”), o mestre do suspense – Alfred Hitchcock (“Intriga Internacional”, “Psicose”, “Os Pássaros”, “Vertigo”, “Janela Indiscreta” etc), Sidney Lumet (“Dog Day Afternoon” etc.), Paul Thomas Anderson (“Haverá Sangue” etc.), Spike Lee (“Faz a Coisa Certa”, “Malcolm X”, “BlacKkKlansman” etc.), Chistopher Nolan (trilogia do “Cavaleiro das Trevas”, “Inception”, “Dunkirk” etc.), Wes Anderson (“Grand Budapest Hotel” etc.), Sofia Coppola (“Lost in Translation” etc.), Ava DuVernay (“Selma” etc.), Jane Campion (“O Piano” etc.) David Fincher (“Sete Pecados Mortais”, “O Clube de Combate”, “A Rede Social” etc.), Quentin Tarantino (“Cães Danadas”, “Pulp Fiction”, “Jackie Brown”, “Kill Bill Vol. 1 e Vol. 2”, “Django”, “Inglorious Basterds”, “Os Oito Odiados”, “Era Uma Vez em Hollywood”), Ingmar Bergman (“Persona” e “O Sétimo Selo” etc.), Arthur Penn (“Bonnie & Clyde”) Andrei Tarkovsky (“Solaris”, “Nostalgia”, “O Sacrifício” etc.), Ridley Scott (“Gladiador”, “Black Hawk Down” etc.), David Lynch (“Veludo Azul” etc.), Robert Altman (“The Player”, “Gosford Park” etc.), Stanley Kramer (“West Side Story” etc.), Federico Fellini (“La Dolce Vita” etc.), Sérgio Leone (“trilogia dos dólares”, “O Bom, o mau e o Vilão”, “Era uma vez no Oeste”, “Era uma vez na América” etc.) e Stanley Kubrick (“Dr. Strangelove”, “Laranja Mecânica”, “Shinning”, “Full Metal Jacket”, “Barry Lyndon” 2001 – Uma Odisseia no Espaço etc.).
Ao olhar para este elenco e principalmente o impacto que a sua obra teve não só apenas na indústria cinematográfica, mas principalmente na sua essência enquanto meio de massas que, apesar de estar em constante mutação (veja-se, por exemplo, o impacto que tecnologias como a Netflix e a “amazon”, estão a ter sobre a distribuição e a produção cinematográfica), é e será sempre a arte de contar uma boa história.
Existem aqui, no entanto, alguns nomes – dos quais destaco Orson Welles, Alfred Hitchcock e Stanley Kubrick – que criaram novos géneros cinematográficos. Isto é, foram “game changers”! Hitchcock – criou o “suspense” que é “apenas” o clima de tensão presente em qualquer filme de terror ou um “thriller”. A essência desta proposta é simples – não é ato em si que atormenta a audiência, mas sim a iminência da sua ocorrência. O melhor exemplo deste sentimento pode ser visto no filme – “O Tubarão” (1975), de Steven Spielberg, através da utilização da banda sonora de John Williams para ilustrar o aparecimento do tubarão assassino.
Já Stanley Kubrick criou – através de filmes como “A Laranja Mecânica” (1971) e o “Shinning” (1980) respetivamente, a essência de filmes distópicos como o que se pode nos filmes de Danny Boyle (“Trainspotting I e II”) e Guy Ritchie (“Snatch – Porcos e Diamantes” e “Lock, Stock & two smoking barrels”) e técnicas aplicadas em filmes de terror como “Sexta Feira 13”, “Pesadelo em Elm Street” e “Halloween”. Quantas vezes não vimos, por exemplo, as personagens destes filmes a arrastar a perna como Jack Torrance fez pelos corredores do Hotel Overlook, enquanto perseguia a sua família, erguendo um machado ensanguentado?
No caso de Welles, tal como o que ocorre com a documentarista Leni Riefenstahl, há toda uma aplicação de técnicas de recolha e de enquadramento fílmico inovadores – que hoje são feitas através de gruas e “drones”.
Em suma, como a academia é soberana, nunca direi que existem filmes que foram premiados de uma forma injusta. No entanto, existem artistas que por muitas ocasiões mereciam ganhar esta estatueta e tal não ocorreu por motivos que ninguém entende. Por pouco, tal não aconteceu com Joaquin Pheonix – que devia ter recebido o prémio de melhor ator pelo seu desempenho como Johnny Cash em “Walk the Line” (2005), e só foi agraciado em 2020 pelo filme – “Joker”. Mas há pior. Por pouco, a academia não cometia mais uma injustiça descomunal com o compositor italiano – Ennio Morricone, cuja ecologia sonora é um legado ímpar na história do cinema enquanto meio de massas – que só recebeu o óscar de melhor banda sonora em 2016 – pelo seu trabalho no filme “Os oito odiados” de Tarantino… Haja decência…
Luís Miguel Pato
Docente e Profissional em Comunicação”