O ator, nascido nas Bahamas, foi o primeiro negro a vencer um Óscar de Melhor Ator Principal, pela sua participação em “Uma Voz nas Sombras”, de 1963. Além do seu estatuto lendário enquanto ator, Poitier celebrizou-se enquanto figura dos direitos civis nos EUA.
A morte de Poitier foi confirmada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros das Bahamas à publicação online Insider.
Ícone de Hollywood, Poitier tornou-se numa das mais celebradas figuras do cinema, desbravando caminho para a representatividade dos atores negros na sétima arte.
Nascido em 1927 em Miami, no estado da Flórida, mas criado em Cat Island, nas Bahamas, e apenas regressando aos EUA quando já tinha 15 anos, aquele que começou por ser um jovem negro bahamiano a desenvencilhar-se em trabalhos mal-pagos e a servir enquanto médico de combate na Segunda Guerra Mundial, tornou-se numa das mais importantes figuras afro-americanas e do cinema em geral.
Ao longo da sua ilustre carreira, Poitier notabilizou-se em papéis em filmes como “Os Audaciosos” (1958), “Uma Voz nas Sombras” (1963) e “No Calor da Noite” (1967). Foi pelo seu trabalho na película de 1963, em que faz de itinerante que ajuda um conjunto de freiras da Alemanha de Leste a construir uma capela no deserto do Arizona, que venceu o Óscar de Melhor Ator — inédito até então para um ator negro — e um Globo de Ouro.
Esta conquista foi particularmente revelante, já que foi conseguida num período de fortes tensões raciais nos EUA com o surgimento do movimento dos direitos civis afro-americano — antes dele, apenas uma atriz negra tinha recebido um prémio da Academia, Hattie McDaniel, enquanto Melhor Atriz Secundária, pela participação em “E Tudo o Vento Levou”, de 1939.
Ao longo da vida, Poitier receberia ainda um Óscar honorário, em 2001, o prémio Cecil B. DeMille, em 1981, e o Prémio Screen Actors Guild Life Achievement, em 1999, entre outros. De registar ainda que o ator ganhou também um Grammy em 2001 de Melhor Álbum Spoken Word, por “The Measure of a Man”, a autobiografia que publicou e mais tarde narrou.
Poitier, de resto, foi sempre um ator engajado na luta contra o racismo e pela representatividade negra, o que lhe levou a ser feito cavaleiro da Excelentíssima Ordem do Império Britânico pela Rainha Isabel II em 1974 — de mencionar que, quando nasceu, as Bahamas eram uma possessão colonial britânica. Mais tarde, em 1995, recebeu o Prémio Kennedy pela sua contribuição para as artes e, em 2009, a Medalha Presidencial da Liberdade, a maior honra que pode ser conferida a um civil.
Citado pelo The Guardian, o primeiro-ministro das Bahamas, Chester Cooper, disse ter ficado “dividido entre grande tristeza e um sentimento de celebração” quando soube da morte de Poitier. Por um lado, a “tristeza por já não estar cá para eu dizer-lhe o quanto significa para nós”; por outro, “a celebração por todo aquilo que fez para mostrar ao mundo que aqueles que começam das mais humildes origens podem mudar o mundo”, comunicou o governante. “Perdemos um ícone; um herói, um mentor, um lutador, um tesouro nacional”, concluiu.
A carreira de Poitier enquanto ator começou quando fez uma audição para entrar no famoso American Negro Theater, no bairro do Harlem, em Nova Iorque, mas foi rejeitado. Todavia, não desistindo, Poitier trabalhou para melhorar as suas prestações e até perdeu o sotaque das Bahamas.
O seu golpe de sorte deu-se quando Harry Belafonte — outra figura afro-americana fundamental no que toca às artes interpretativas — não conseguiu atuar numa peça e um produtor reparou em si, começando assim a fazer ondas na cena teatral negra.
Foi apenas em 1950 que conseguiu o seu primeiro papel de vulto, no controverso noir “Falsa Acusação”, em que interpreta um doutor que se vê a braços com um motim gerado por um paciente racista. Já com “Os Deserdados”, produção inglesa de 1951, trilharia o seu percurso enquanto ator-ativista, fazendo de reverendo na África do Sul do Apartheid.
Ainda na década de 50 conseguiria firmar as suas credenciais de ator principal, primeiro no êxito “Sementes de Violência”, de 1955, e depois em filmes como “Um Homem Tem Três Metros de Altura”, noir de 1957 e “Os Audaciosos”, drama de 1958 que lhe valeria a primeira nomeação para o Óscar de Melhor Ator enquanto prisioneiro que foge da prisão no sul dos EUA acorrentado a outro cativo branco.
Já depois do Óscar, Poitier manter-se ia um ator de grande popularidade e aceitando papéis desafiantes do status-quo racial dos EUA ao longo dos anos 60. Todavia, no dealbar dos anos 70, o seu estrelato consensual diminuiu perante uma atitude mais agressiva e politizada por parte dos grupos dos direitos civis.
Foi nessa fase em que Poitier começou a aparecer menos frente das câmaras e mais a orientá-las, aceitando alguns papéis mas tornando-se essencialmente realizador de comédias. Esta sua faceta nunca seria tão bem sucedida nem tão consensual junto da crítica como a de intérprete, mas no seu currículo ficaram obras de alguma popularidade como “Uptown Saturday Night”, de 1974, “Dois ‘Honrados’ Vigaristas”, de 1977, e “Dois Amigos em Apuros”, de 1980.
Até ao fim da carreira, Poitier tornou-se cada menos ativo. Os seus últimos papéis foram em “Heróis por Acaso”, comédia criminal de 1992 onde é um antigo agente do CIA, e “O Chacal”, thriller de 1997 em que fez de diretor-adjunto do FBI. Já enquanto realizador, dirigiu o mal-amado “Ghost Dad”, de 1990.
António Moura dos Santos / Madremedia