Morreu o escritor Milan Kundera

12.7.2023 –

Um dos mais importantes escritores do século XX, aclamado pela crítica e pelo público. Tinha 94 anos.

O escritor checo, naturalizado francês, Milan Kundera morreu esta terça-feira aos 94 anos, informou a televisão pública Czech Television, citada por várias agências internacionais.

“Infelizmente, posso confirmar que o Sr. Milan Kundera faleceu ontem (terça-feira) após uma longa doença”, confirmou à AFP a porta-voz da Biblioteca Milan Kundera em Brno, Anna Mrazova.

Um dos mais importantes escritores do século XX

Autor do célebre “A insustentável leveza do ser”, Milan Kundera tem uma vasta obra que abrange o romance, o ensaio e a poesia, vários destes textos traduzidos para português.A mais recente obra publicada em Portugal foi divulgada na semana passada, “Um ocidente sequestrado ou a tragédia da Europa Central”, um pequeno livro de Milan Kundera, publicado pela primeira vez em França em 2021, “que se revela extremamente atual na reflexão sobre a Europa que estamos a construir”, segundo a editora Dom Quixote.

Esta obra contém dois textos escritos antes da Queda do Muro de Berlim e do fim da Guerra Fria: o discurso de Kundera ao Congresso dos Escritores da antiga Checoslováquia, em 1967, em plena Primavera de Praga, que culmina no ano seguinte; e um artigo publicado na revista francesa Le Débat, em novembro de 1983, quando Kundera já vivia em França.

Kundera escreveu os seus romances em francês desde La Lenteur (A Lentidão), publicado em 1993. Em 2011, as suas obras foram publicadas pela Bibliothèque de la Pléiade, a prestigiada coleção editada pela Gallimard.

A sua obra foi traduzida em cerca de 40 línguas, o que faz de Kundera um dos autores mais traduzidos do mundo.

Uma relação complicada com o país de origem

Milan Kundera nasceu em Brno, cidade da antiga Checoslováquia, em 1 de abril de 1929, mas emigrou para a França em 1975 depois de ser condenado ao ostracismo por criticar a invasão soviética da Checoslováquia em 1968. Em 1981 adotou a nacionalidade francesa e só obteve a nacionalidade checa em 2019.

Em julho de 2020, decidiu legar os seus livros e arquivos à Biblioteca Regional de Brno onde foi inaugurada uma sala com o seu nome a 1 de abril deste ano,

Filho do músico Ludvik Kundera (1891-1971), um importante musicólogo e pianista que esteve à frente da Academia Musical de Brno de 1948 a 1961, Milan aprendeu a tocar piano com o pai e estudou musicologia e composição musical, influências que podem ser encontradas na sua obra.

Kundera faz parte de uma geração de jovens checos que tiveram pouca experiência com uma nação democrática no pré-guerra, pois a sua ideologia foi em grande parte influenciada pelas Segunda Guerra Mundial e pela ocupação alemã.

Ainda adolescente, Kundera filiou-se no Partido Comunista, que tomou o poder em 1948. Na Universidade Carolina, de Praga, estudou literatura e, após dois semestres, mudou para a faculdade de cinema, na Academia Checa de Artes Cénicas, onde teve aulas de direção de longas-metragens e de argumentos.

Em 1950, foi temporariamente forçado a interromper os estudos por razões políticas. Neste ano, tal como outro escritor checo, Jan Trefulka, foi expulso do Partido Comunista Checo por “atividades anti-partidárias”.

Trefulka descreveu o incidente num dos seus romances, mas Kundera utilizou o incidente como inspiração para o tema principal da obra “A Brincadeira”, de 1967.

Em 1956, Kundera foi readmitido no Partido Comunista mas, em 1970, porém, foi novamente expulso.

O escritor, assim como outros artistas checos, entre eles Václav Havel, envolveu-se na Primavera de Praga, em 1968. O período de otimismo foi destruído em agosto do mesmo ano pela invasão soviética e pelo exército do Pacto de Varsóvia da Checoslováquia.

Kundera e Havel tentaram acalmar a população e organizar uma sublevação reformista para fazer face ao totalitarismo comunista da União Soviética, tendo permanecido neste intento até desistir definitivamente, em 1975, ano em que decide exilar-se em França.

O escritor teve sua cidadania revogada após um desentendimento com o Partido Comunista da Checoslováquia, em 1979, quando o escritor já estava em França. Tal ação de retirada da cidadania do escritor é fruto de desentendimentos com os comunistas checos que começaram ainda em 1950.

Autor de uma vasta obra, que abrange o romance, o ensaio e a poesia, Kundera recebeu, entre outros, o Prémio Médicis (1973), o Prémio Mondello (1978), o Prémio Common Wealth (1981), o Prémio Jerusalém (1985) e o Prémio Independent de Literatura Estrangeira (1991).

SIC Notícias/lusa

Imagem: Le Monde