A subnutrição durante a gravidez tem um forte impacto no coração do feto, aumentando o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares a longo prazo. A conclusão é de um estudo realizado por uma equipa de investigadores do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra.
Este estudo, que pretendeu avaliar se a subnutrição materna provoca alterações ao nível das mitocôndrias (os organelos celulares produtores de energia) no coração dos fetos, sugere que estes bebés deverão receber seguimento médico ao longo da vida, dado o seu risco aumentado para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares.
Segundo os resultados da investigação, realizada com recurso a um modelo animal, uma redução moderada de 30% na quantidade de alimento fornecida às mães durante a gravidez produz alterações profundas na função das mitocôndrias cardíacas dos bebés. Verificou-se que estas alterações interferem na forma como as mitocôndrias produzem energia e na forma como estas participam em várias funções celulares indispensáveis, o que pode promover o aparecimento de disfunções cardíacas mais cedo na idade adulta.
De uma forma inovadora e controlada, «foi possível estabelecer uma relação de causa entre a alimentação das mães durante a gravidez e a função cardíaca dos descendentes. Este trabalho tornou evidente uma relação que há muito suspeitávamos existir, agora torna-se essencial definir qual a alimentação ideal durante a gravidez para potenciar a saúde dos descendentes», explica Susana Pereira, primeira autora do artigo científico e investigadora do CNC-UC e do CIAFEL – Centro de Investigação em Atividade Física, Saúde e Lazer, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.
Também se observou que o efeito da subnutrição durante a gravidez é mais acentuado no coração dos fetos do sexo masculino. Esta diferença, segundo os autores, pode explicar a diferente suscetibilidade de homens e mulheres para doenças cardíacas durante a vida.
Este trabalho, já publicado na revista científica Clinical Science, faz parte de um projeto alargado, iniciado em 2009, que pretende identificar os efeitos da nutrição durante a gravidez na saúde dos fetos, nomeadamente ao nível da função da mitocôndria, e que, além da Universidade de Coimbra, envolve a Universidade do Porto e duas universidades dos EUA – Universidade do Wyoming e Universidade do Texas Health Science Center em San Antonio.
Paulo Oliveira, líder de grupo no CNC-UC e também autor do estudo, esclarece que, «juntamente com outros artigos resultantes deste projeto, concluímos que a subnutrição e a sobrenutrição durante a gravidez têm efeitos muito semelhantes na função mitocondrial da descendência, promovendo alterações que poderão explicar a maior suscetibilidade a doenças hepáticas, renais ou cardíacas observadas em filhos de mães sobre ou subnutridas durante a gravidez».
As alterações na estrutura e função mitocondrial cardíaca devido à má nutrição materna estão implicadas na programação do desenvolvimento cardíaco e provavelmente influenciam a saúde cardíaca a longo prazo. Por isso, concluem Paulo Oliveira e Susana Pereira, os resultados deste estudo «podem contribuir para o desenvolvimento de novos biomarcadores para o diagnóstico precoce, permitindo intervenções oportunas para melhorar a saúde cardiovascular ao longo da vida».