Um estudo longitudinal realizado na Nova Zelândia revelou que ter uma doença mental até aos 25 anos tem um impacto significativo no envelhecimento celular, o qual por sua vez, está relacionado com a ocorrência das doenças de maior mortalidade.
A investigação, publicada no Journal of Abnormal Psychology, contou com uma amostra de 988 voluntários nascidos entre abril de 1972 e março de 1973 em Dunedin, na Nova Zelândia.
“O estudo realizado em Dunedin, na Nova Zelândia, é realizado quando a coorte tem 45 anos e o que apuraram é que efetivamente ter uma doença mental até aos 25 anos impacta sinais de envelhecimento aos 45”, disse à agência Lusa o psiquiatra e investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto Ricardo Gusmão.
Para o psiquiatra, este estudo veio dar “um avanço muito, muito grande naquilo que se sabe sobre o papel das doenças mentais no envelhecimento”.
A investigação foi realizada através de “um desenho quase perfeito” do ponto de vista metodológico, porque foi realizado com pessoas que nasceram todas na mesma época, na mesma região, sob as mesmas circunstâncias ambientais, e que são entrevistadas anualmente ou de dois em dois anos numa série de parâmetros, inclusivamente, parâmetros biofísicos, colheitas de sangue, entre outros.
“Qual é a relevância disto? É que as doenças oncológicas, as doenças cardiovasculares, as doenças autoimunes, as doenças de degenerescência neurológica estão todas relacionadas com o envelhecimento das células”, disse o especialista.
Ricardo Gusmão adiantou que já se sabia que ter uma doença física aumenta a probabilidade de ter uma doença mental como também já se suspeitava que houvesse “um tronco comum” entre a vulnerabilidade de doenças mentais e físicas.
“O que este estudo mostra é que quando se controlam os determinantes de desenvolvimento e genéticos a ocorrência da doença mental continua a ter um poder explicativo estatisticamente significativo na ocorrência de doenças mais tardias relacionadas com o envelhecimento das células, explicou o psiquiatra.
Sublinhou ainda que se pensava que “a adversidade da infância, os maus tratos, a pobreza, a tendência genética para uma série de patologias constituiria uma árvore comum às doenças mentais e físicas e neste momento o que se percebe é que controlando tudo isso a ocorrência da doença mental ainda assim aumenta o envelhecimento do corpo, o que predispõe às doenças físicas”.
“É como se de repente a psiquiatria e a saúde mental tivessem um papel acrescido que seria o de vigiar e detetar precocemente as doenças mentais de forma a mitigar o envelhecimento das pessoas e, como tal, prevenir as outras doenças”, defendeu.
Segundo o psiquiatra, metade das doenças mentais surgem entre os 12 e os 24 anos e três quartos dos 0 aos 25 anos e depois mantêm-se de uma forma crónica, contínua ou por episódios recorrentes, ao longo da vida.
Por isso, explicou, é que as doenças mentais são a primeira causa de incapacidades e a primeira causa de doenças crónicas nos jovens.
Para o investigador, “a gestão das doenças crónicas que é realizada no Serviço Nacional de Saúde está excessivamente focada no tratamento e numa forma de organização que sugere a industrialização da saúde, por exemplo, uma fatia pesada do financiamento tem a ver com o internamento, quanto mais internamentos, maior o financiamento recebido pelas instituições”.
Mas, no seu entender, seria preciso “mudar completamente” a ótica do financiamento, com maior foco na promoção e prevenção, evitando que as pessoas cheguem a um estado de doença que careça tão frequentemente de internamento, lembrando, por exemplo, que em saúde mental as boas práticas resultam em menos internamentos.
“Ora bem, a realidade nos vários contextos de saúde em Portugal é o acento no tratamento e não na prevenção, e se algumas instituições investissem mais nos cuidados de proximidade, se tivessem incentivos para isso, evitar-se-iam muitos episódios de doença e internamentos e poupar-se-iam muitos recursos, defendeu.
Lusa