Os resultados da primeira fase de um ensaio clínico realizado à escala mundial revelam que o fármaco “Teriflunomida”, administrado por via oral, é eficaz e seguro no tratamento da esclerose múltipla em idade pediátrica.
Este estudo, que avalia a eficácia e segurança do fármaco na fase inicial da doença, começou em 2016 e envolve 166 crianças, recrutadas em 59 instituições de saúde de 23 países – Bélgica, Bulgária, Canadá, China, Eslovénia, Espanha, Estónia, EUA, França, Grécia, Israel, Líbano, Lituânia, Macedónia do Norte, Marrocos, Países Baixos, Portugal, Reino Unido, Rússia, Sérvia, Tunísia, Turquia e Ucrânia.
Em Portugal, o ensaio clínico denominado “TERIKIDS” decorre no Hospital Pediátrico do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e é liderado por Filipe Palavra, neurologista pediátrico e docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC).
Os resultados obtidos até agora revelam «uma redução de aproximadamente 34% do risco de surto clínico nos doentes tratados com teriflunomida, em comparação com o placebo [substância sem efeitos farmacológicos, usada em ensaios clínicos para efeito de controlo], assim como uma redução significativa (43%) do tempo até se diagnosticar um surto clínico ou se modificar a atitude terapêutica devido ao aumento do número de lesões identificadas por ressonância magnética (RM)», relata Filipe Palavra.
Verificou-se, também, que o fármaco reduziu o número de lesões novas ou de tamanho aumentado, detetadas por RM, em cerca de 55% e o número de lesões com realce após administração de gadolínio (lesões ativas) em cerca de 75%. Além disso, a teriflunomida foi bem tolerada pelas crianças e adolescentes que participam no estudo.
Entretanto, o ensaio clínico continua a decorrer, por forma a permitir a acumulação de dados que possam «conduzir à aprovação formal da utilização da teriflunomida no tratamento de crianças e adolescentes com diagnóstico de esclerose múltipla, no futuro. E este aspeto tem um impacto na prática clínica, dado que as opções terapêuticas existentes para esta faixa etária são escassas», adianta o especialista da FMUC.
Filipe Palavra reconhece ainda que «a investigação clínica em doenças complexas como a esclerose múltipla é um desafio muito grande, apenas exequível porque existem doentes e famílias disponíveis para participar em programas exigentes, de acompanhamento clínico muito assíduo, e também equipas de profissionais motivados que, para além das suas funções assistenciais, dedicam parte do seu tempo à investigação científica. Médicos, enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos, técnicos de laboratório e de radiologia, secretários clínicos e assistentes operacionais, todos são imprescindíveis para que se possa fazer ciência no nosso hospital.»
A esclerose múltipla é a mais conhecida das doenças desmielinizantes do sistema nervoso central, caracterizando-se pela destruição da bainha de mielina que envolve os neurónios do cérebro, cerebelo, tronco cerebral, da medula espinhal e do nervo óptico.
Descreve-se como uma patologia de natureza imunomediada, porque na base do processo de destruição da mielina estão mecanismos autoimunes, o que significa que, «por motivos desconhecidos, as células do sistema imunitário, isto é, das nossas defesas, se “enganam” e “atacam” a bainha de mielina, levando à sua destruição», explica o docente da FMUC.
Estima-se que 5 a 10% dos casos de esclerose múltipla surjam em idade pediátrica, ou seja, antes de completados os 18 anos de idade.