Uma equipa científica luso-canadiana, coordenada pelo investigador João Canário, do Instituto Superior Técnico (IST), conta partir em janeiro para o Ártico numa primeira campanha para avaliar o impacto do mercúrio na vida animal e humana na região gelada.
Se a pandemia de covid-19 permitir, serão realizadas duas campanhas, uma em 2022 e outra em 2023, ambas no inverno e no verão, mas em duas áreas de ‘permafrost’ (solo permanentemente gelado) distintas, na região canadiana de Nunavik, uma delas mais degradada, disse à Lusa João Canário, acrescentando que a preparação da logística da primeira campanha deverá arrancar em junho.
O objetivo do trabalho será medir os níveis de mercúrio no gelo, na água e sedimentos de lagos e em peixes e avaliar o seu impacto na vida selvagem da região e na saúde da população indígena.
Segundo João Canário, especialista em química ambiental, o degelo em zonas de ‘permafrost’ do Ártico, onde o mercúrio está retido há milhares de anos, tem levado à libertação deste metal pesado para a atmosfera e água.
Em consequência do aumento da temperatura global, superfícies permanentemente geladas têm derretido e gerado a formação de lagos que são autênticas “sopas” de bactérias e metais pesados como o mercúrio, que se acumula na água e em sedimentos.
Sabe-se, por estudos anteriores, que bactérias transformam o mercúrio inorgânico em mercúrio orgânico, “que é mais tóxico”, referiu o investigador português. A forma mais tóxica de mercúrio, com efeitos nocivos para animais e humanos, tem o nome de metilmercúrio.
Sabe-se, também, que as bactérias fazem com que o mercúrio se torne volátil e seja libertado para a atmosfera. Um estudo publicado em 2020, e citado por João Canário, concluiu que o degelo em áreas de ‘permafrost’ é o principal responsável pelas emissões de mercúrio para a atmosfera no planalto tibetano.
Os efeitos do degelo, causado pelo aquecimento do planeta, podem ser igualmente preocupantes se se pensar que a água desses lagos no Ártico drena para ribeiros, rios e mares, assinalou o cientista.
Para o projeto Permamerc, como é designado, foram escolhidos dois locais que espelham diferentes paisagens de ‘permafrost’ e têm lagos e lagoas formados pelo degelo.
Um dos locais fica numa “área esporádica” de ‘permafrost’ no vale do rio Sasapimakwananisikw, na região subártica (Baixo Ártico) de Nunavik, na província canadiana do Quebeque.
O vale é um sítio de “rápido degelo” e erosão da paisagem, com formação de lagos devido à “degradação contínua de montículos de ‘permafrost’ (palsas)”.
Em 2019, João Canário coordenou um trabalho de mestrado que constatou elevadas concentrações de metilmercúrio em lagos nesta zona, mas muita coisa ficou por esclarecer, como por exemplo que bactérias fazem com que o mercúrio se torne numa neurotoxina e que processos bioquímicos ocorrem nessa transformação.
O segundo local de estudo, nunca antes visitado, está numa “zona de ‘permafrost’ descontínua”, perto da comunidade indígena de Kangiqsualujjuaq, numa área mais a norte e rica em solo permanentemente gelado de Nunavik.
Os lagos de Kangiqsualujjuaq “resultaram do descongelamento de ‘permafrost’ de granulação fina rica em gelo e são muito menos biogeoquimicamente caracterizados” do que os do vale do rio Sasapimakwananisikw, realça a súmula do projeto, orçado em cerca de um milhão de euros, dos quais 250 mil euros financiados diretamente pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.
Neste trabalho serão, designadamente, recolhidas e analisadas amostras e estimado o grau de contaminação nas cadeias alimentares através de modelos matemáticos aplicados aos dados obtidos.
O projeto Permamerc irá envolver a comunidade indígena (Inuítes) em ações pedagógicas nas escolas, onde será explicada a investigação que vai ser feita e sua importância.
Além de cientistas do IST, participam, por Portugal, no “Permamerc” investigadores do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território e do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto.
O Canadá está representado por investigadores das universidades de Laval e Trent, da agência governamental Ambiente e Alterações Climáticas e do Instituto Nacional de Investigação Científica.
Lusa