Emigração de licenciados é “uma calamidade… dava para pagar 36 aeroportos do Montijo”

11.8.2023 –

Segundo o INE, alojamento e restauração são responsáveis pelo crescimento do emprego a níveis máximos, mas são, também, os campeões da precariedade. Presidente da associação Pro.Var, Daniel Serra, diz não ver solução para o problema. A menos que o Governo decida baixar a carga de impostos sobre o trabalho.

O investimento com a formação de licenciados que saem do país daria para construir “36 aeroportos no Montijo”, admite o economista Pedro Brinca.

Em declarações à Renascença, o economista e docente da Nova School of Business and Economics (Nova SBE) fez as contas aos números do Instituto Nacional de Estatística, que indicam que – apesar dos ténues sinais de retoma – o país continua a perder recursos qualificados.

No segundo trimestre do ano, Portugal perdeu, pelo menos, 128 mil trabalhadores com curso superior.

Olhando para os números com maior detalhe, este especialista refere que, “entre 2000 e 2019, foram 194 mil licenciados que emigraram. Se pensarmos quanto é que custa formar um licenciado, são cerca de 96 mil e 500 euros – isto a preços pré-crise pandémica.

Ou seja, 194 mil licenciados a 96 mil e 500 euros cada um, são cerca de 18 mil milhões de euros… isso dava para 36 aeroportos do Montijo. Realmente é uma calamidade”.

Noutro plano, o INE confirma uma subida recorde dos contratos precários, que está a impulsionar o aumento do emprego em Portugal.

Entre abril e junho, havia quase cinco milhões de pessoas empregadas em Portugal, o que, para Pedro Brinca já reflete a sazonalidade, através do “emprego precário que visa satisfazer o aumento da procura de equipamentos turísticos”.

Mas, segundo o professor da Nova SBE, há duas outras razões que explicam a tendência.

Em primeiro lugar, uma questão “quase geracional: temos uma geração que tem uma proteção no emprego muito grande, sobretudo a geração acima dos 40 a 45 anos. Depois, temos a outra geração, que são os mais novos que estão a entrar agora e que têm relações laborais muito mais precárias”.

Adicionalmente, “em 2019, Portugal era o terceiro país da OCDE com maior índice de legislação de proteção laboral e era, também, o terceiro país da Europa com maior percentagem de trabalhadores com contrato temporário”.

Para Pedro Brinca, a leitura é simples: as leis do trabalho em Portugal criam “ineficiências que permitem que os empregadores possam contornar a lei e muitas vezes”.

“E, muitas vezes, o Estado é o primeiro a prevaricar, ao recorrer a empresas de trabalho temporário, para garantir a prestação de alguns serviços, como, por exemplo, a limpeza dos edifícios públicos”, exemplifica.

Alojamento e restauração campeões da precariedade

Por serem atividades associadas ao aumento da atividade turística nesta altura do ano, o INE identifica o alojamento e a restauração como os setores que explicam o facto de a criação de emprego estar em valores máximos.

O problema é que são atividades marcadas pela precariedade, seja na instabilidade dos contratos, seja nas remunerações auferidas pelos trabalhadores.

Em nome do setor da restauração, Daniel Serra, da associação Pro.Var recusa a ideia de que os baixos salários sejam uma prática recorrente.

O problema, diz à Renascença, é que “o setor que não está regulado, tem uma sobrecarga de impostos bastante grande”.

“Neste momento, é verdade que muitos dos trabalhadores estão com contratos precários, mas estão a ganhar acima da média, até de outros setores e isto também tem a ver com a dificuldade na obtenção de mão-de-obra, o que obriga os empresários a ter de pagar bem melhor para reter e captar mão-de-obra”, explica.

No entanto, Daniel Serra também reconhece que “muitos empresários não querem arriscar a ter contratos sem termo, porque a situação é muito, é muito oscilante”.

Tem tudo a ver com a oscilação dos fluxos de faturação: “temos altos e baixos e já se está a verificar, no terceiro trimestre, que está a haver uma perda entre 10 e 20%”, porque os clientes “estão a gastar muito menos… estão a evitar as entradas e as sobremesas, substituem vinhos por cerveja ou então pedem vinhos mais baratos”.

Na hora de tirar a conta, “o ticket médio está a baixar de forma significativa e isto é uma dificuldade para os empresários”.

O presidente da Pro.Var garante “os empresários neste momento serão os mais interessados em ter nos seus quadros, pessoas estáveis, com contratos a longo prazo”.

Mas reconhece que “não há condições e, enquanto o Governo não criar condições para essa estabilidade – ou seja, impostos que sejam razoáveis – vai ser muito difícil que se evite esta precariedade”.

André Rodrigues/RR