“Escreveu Herman Melville, em 1851, uma estória dentro da história. Romanceada, a perseguição do Capitão Ahab ao cachalote albino Moby Dick impressionou o público da altura pelo seu final dramático e glorioso para a besta marinha. Entre a ficção, muito sobre a caça de cetáceos se pode aprender neste romance, já que Melville havia embarcado em navios baleeiros e sido, ele próprio, arpoador. Durante todo o século XIX, estes navios, de várias nacionalidades, faziam longas viagens transoceânicas capturando os grandes cetáceos e processando-os a bordo até voltarem ao porto de origem.
O final do século XIX representa um marco assinalável na indústria baleeira mundial, com uma evolução de técnica que iria modificar, abrupta e irreversivelmente, não só a atividade como as populações naturais das principais espécies capturadas. A mudança da técnica americana para a baleação norueguesa, com a introdução dos baleeiros a vapor e a invenção do arpão explosivo, aliada às primeiras fábricas de processamento de baleias na costa, foram a base para o início de uma nova era da baleação no início do século XX.
Um estudo recente de investigadores do Departamento Nacional de Pescas Marinhas dos E.U.A. tentou definir os números de animais capturados durante o século XX e a tarefa demonstrou-se tão difícil como as estimativas avassaladoras. Para o caso do cachalote, estima-se que 300.000 animais tenham sido mortos entre 1712 e 1899 pelas mesmas técnicas usadas no romance Moby Dick – de grandes navios baleeiros partiam botes que perseguiam e arpoavam os animais – e que o mesmo número foi atingido entre 1900 e 1962, e novamente entre 1962 e 1972, o auge da era moderna da caça à baleia.
Os cachalotes eram utilizados principalmente pelo óleo produzido pelo espermacete – órgão interno responsável pela produção de um líquido que, por variações na sua densidade, permite à espécie realizar mergulhos de grande profundidade – e com o qual se iluminavam as ruas das principais cidades no mundo ocidental.
Atualmente a caça ao cachalote é proibida em todo o mundo pela Comissão Baleeira Internacional (IWC) mas a espécie tem o estatuto de conservação Vulnerável pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) porque as suas populações estão ainda a recuperar destes séculos de intensa captura. Este animal, um torpedo dos mares, de forma estranha e hábitos cosmopolitas, é hoje visto como um símbolo de conservação e mudanças de atitudes, como é o caso das comunidades baleeiras dos Açores, outrora caçadores de baleias, hoje vigias para a observação sustentável de cetáceos no arquipélago.
Assim se compreende que o conhecimento sobre o meio marinho e os animais que o habitam, seja essencial para a sua conservação. Tal como Moby Dick, que só décadas mais tarde da sua publicação foi reconhecido como um clássico da literatura, também para os cetáceos, incluindo o grande cachalote, foram necessários séculos de mudança na perceção sobre a sua importância como predadores de topo nos ecossistemas naturais. E disso não nos podemos voltar a esquecer.”
Cristina Brito (Historiadora)