O país ultrapassou as 100 mil mortes por Covid-19 desde o início da pandemia e tem registado altos números de infeções. Muitos hospitais estão no limite e a vacinação no país anda a conta-gotas.
É um regresso à normalidade, dentro do possível: o mercado de Natal em Bona voltou a abrir as portas.
Há um ano, Bona – como muitas outras cidades alemãs – teve de cancelar o mercado tradicional por causa da pandemia. Mas este ano voltaram os carrosséis e as barraquinhas onde se vende artesanato, amêndoas torradas e “Glühwein”, o típico vinho quente com especiarias.
Para andar no mercado é preciso usar máscara e estar vacinado contra a Covid-19 ou ter um certificado de recuperação da doença. Apresentar teste negativo não chega.
“É uma ajuda”, diz Alexander, um jovem alemão que veio passear com a filha ao mercado no centro histórico de Bona. “Mas ando por aqui e ninguém me perguntou se estou vacinado.”
Hospitais no limite
O país ultrapassou as 100 mil mortes por Covid-19 desde o início da pandemia, anunciou a autoridade federal de saúde (RKI), que registou 351 óbitos e 75.961 casos nas últimas 24 horas.
A maior economia da Europa teme a saturação hospitalar, no momento em que registou 100.119 mortos e a incidência de casos em sete dias atingiu um valor recorde: 419,7 infeções por 100 mil habitantes.
A situação está a colocar pressão sobre o novo Governo de coligação que irá tomar conta do país em dezembro.
Em muitos lugares, os hospitais estão a chegar ao limite das suas capacidades. O sul e o leste da Alemanha são as regiões mais afetadas.
Em Berlim, por exemplo, mais de 91% das camas de cuidados intensivos estão ocupadas – 18% são de pacientes com Covid-19. No estado federado da Saxónia, a taxa de ocupação nos cuidados intensivos ronda os 90% – 37% dos pacientes internados foram diagnosticados com o novo coronavírus.
Erik Bodendieck, presidente da Associação de Médicos da Saxónia, disse esta semana à rádio pública Deutschlandfunk que é possível que, muito em breve, dois pacientes tenham de “lutar por uma cama”, por não haver lugares suficientes nas unidades de cuidados intensivos.
“Tudo isto tem a ver com o incumprimento das regras de distanciamento físico e com os baixos índices de vacinação, sobretudo nestas regiões”, comenta Andrew Ullmann, médico e deputado do partido liberal FDP, em declarações à Renascença.
No estado da Saxónia, os mercados de Natal foram proibidos.
Vacinação a conta-contas
O Governo federal apela insistentemente aos cidadãos que se vacinem contra a Covid-19, mas só 68,1% da população tem a vacinação completa.
O ministro da Saúde, Jens Spahn, assegura que há vacinas para todos, tanto para as primeiras doses, como para uma dose de reforço. Mas depois de um “boom” de vacinados no verão, o processo decorre agora a conta-gotas.
Muita gente continua a não querer vacinar-se, ou porque desconfia da vacina ou porque está fundamentalmente contra a vacinação.
O jovem Alexander diz que está a começar a perder a paciência: “Irritam-me bastante todas estas pessoas que são contra a vacina. Não compreendo. Fico irritado só de pensar que há alguns idiotas que acham que sabem tudo melhor que os outros. É cansativo.”
Lena, que como Alexander também visitou o mercado de Natal em Bona, acha que o Governo tem de ser mais enérgico: “A política deveria fazer mais. Já há muitas pessoas vacinadas, mas não é o suficiente.”
O Executivo da chanceler Angela Merkel ainda está em gestão. Os sociais-democratas venceram as eleições em setembro e já chegaram a acordo com os Verdes e o FDP para uma coligação governamental, mas o novo Governo só deverá tomar posse no início de dezembro.
“O anterior Governo navegou à vista”, critica o deputado Andrew Ullmann, do FDP. “Reagiu apenas às situações a quente, em vez de tomar medidas de longo alcance. Faltou-lhe visão para, por exemplo, realizar uma campanha adequada, que chegasse precisamente a estas pessoas que desconfiam da vacina.”
Já Erwin Rüddel, especialista em temas de saúde dos conservadores da CDU, faz uma avaliação positiva da campanha de vacinação do Governo.
Um problema, explica Rüddel, foi que muitas pessoas, particularmente jovens, não sentiram até agora que se tinham de vacinar, por “não ter havido no país uma evolução dramática da pandemia”. Outro problema, segundo o deputado, foi a “falta de controlo” das regras em vigor por parte das autoridades locais.
Vacinas obrigatórias para toda a gente?
Face aos baixos níveis de vacinação, vez mais políticos admitem que poderá ser preciso tornar a vacina contra a Covid-19 obrigatória para todos, à semelhança do que fez a vizinha Áustria.
Os líderes do estados federados da Baviera e de Baden-Württemberg, Markus Söder e Winfried Kretschmann, escreveram esta semana um artigo de opinião no jornal “Frankfurter Allgemeine” em que defendem que a vacinação obrigatória “não é uma violação das liberdades. Pelo contrário, é um pré-requisito para recuperarmos a nossa liberdade”.
Mas nem todos pensam assim. Muitos alemães – e não só cidadãos “anti-vacinas” – acreditam que tornar a vacina obrigatória seria, de facto, um ataque a liberdades fundamentais.
“Cada cidadão deve decidir livremente se se vacina ou não, desde que o nosso sistema de saúde não esteja sobrecarregado”, entende o deputado Andrew Ullmann.
“Será certamente complicado justificar uma vacinação obrigatória para todos”, adianta Ullmann. Mas, olhando para a situação atual na Alemanha, “poder-se-ia discutir uma vacinação obrigatória para maiores de 50 anos”.
O deputado Erwin Rüddel, acrescenta, no entanto, que, antes de se avançar para uma discussão desse género, é necessário “controlar rigorosamente” as medidas que já estão em vigor.
Em Bona, por exemplo, não é só o mercado de Natal que está interdito a não vacinados. Quem não tem vacina contra a Covid-19 ou um certificado de recuperação da doença está impedido de ir a restaurantes, ao ginásio ou ao teatro. À entrada dos locais de trabalho, também é preciso mostrar um desses certificados. Os trabalhadores podem ainda apresentar um teste negativo à Covid-19, mas o teste rápido, por exemplo, só é válido por um dia.
Segundo o parlamentar da CDU, “é preciso esperar primeiro pela reação” das pessoas a um maior controlo das restrições “antes de decidir sobre uma obrigatoriedade da vacina para todos. Quanto a este aspeto, estou relutante”, comenta Rüddel.
Guilherme Correia da Silva / RR