Quase 70% dos eleitores decidiu não votar. O PS até pode ter tido mais votos, mas nesta eleição para o Parlamento Europeu, todos perderam — incluindo os que não querem saber de política.
“São todos corruptos”. Em dias de calor, as câmaras de televisão são uma presença tão assídua nos areais quanto os vendedores de bolas de Berlim. Em dia de eleições Europeias, mais ainda se justificam os vox pop de pé na areia. Este domingo não foi exceção.
Vox pop é a gíria jornalística para sair à rua e andar aleatoriamente a caçar quem queira falar para um microfone. A tradução diz qualquer coisa como “a voz do povo”. Está-se a ver, contudo, que quando se escolhe ao acaso uma amostra de entrevistados reduzida (como sejam as pessoas que estão numa dada praia à hora a que os jornalistas lá chegam) as respostas que dão nunca podem ser verdadeiramente significativas.
Pelo meio das entrevistas, ouve-se sempre qualquer coisa próxima de “não voto porque são todos mentirosos” ou “não voto porque não costumo votar”.
As experiências recentes noutros países mostram que nem as sondagens, com método mais científico do que a breve interpelação, são capazes de delinear com precisão o futuro que só as urnas ditam.
É por isso que as eleições são um alargado vox pop. Um momento em que todos são chamados a falar, independentemente de estarem próximos ou não das praias da linha de Cascais, onde os jornalistas gostam sempre de fazer os seus diretos.
Ainda, durante a tarde, o diagnóstico era este: praias cheias, mesas de voto vazias. E a verdade é que Portugal bateu hoje o seu próprio recorde de abstenção. Milhões de portugueses escolheram não escolher, não votando nos nomes de quem lhes vai decidir a vida nos próximos cinco anos.
Os números, porém, têm de ser lidos com cautela. Porque em termos absolutos, até houve mais gente a votar. Confuso?
Nestas Europeias, foram inaugurados novos cadernos eleitorais. Concretamente, os eleitores com capacidade eleitoral ativa são este ano 10.761.156, quando nas europeias de maio de 2014 eram 9.696.481.
O acréscimo de novos votantes não é assim tão grande; todavia, houve mais algumas dezenas de milhares de pessoas a ir às urnas este ano.
Mesmo assim, a decisão de todos ficou nas mãos de poucos: à volta de três milhões. Traduzindo, o partido ‘vencedor’ destas Europeias em Portugal, o PS, foi, na verdade, a escolha de pouco mais de um milhão de eleitores.
Porém, a culpa há de caber a todos. Cabe aos que ficaram em casa; cabe aos políticos que não conseguiram convencer as pessoas; cabe à imprensa, que não está a explicar ao certo o que é a União Europeia — e qual a importância de participar na escolha dos eurodeputados.
Foi mais ou menos isto que disse o primeiro-ministro à chegada ao hotel Altis, em Lisboa, para acompanhar a noite eleitoral junto do seu PS. Para António Costa, a elevada taxa de abstenção prevista é um motivo de “reflexão profunda” para todo o sistema político e para a comunicação social.
“Se esses números forem assim, estão mais ou menos em linha com o que aconteceu em 2014 e isso só demonstra que não é possível falar-se de Europa apenas no período de campanha eleitoral. Deve ser um motivo de reflexão profunda seguramente para o sistema político, mas, também, para os diferentes órgãos de comunicação social”.
Isto porque, afirma o líder socialista, “se há este grau de desinformação, ou de menor interesse, dos cidadãos relativamente à União Europeia, isso também quererá dizer alguma coisa sobre a informação que é divulgada”.
Costa sublinha, no entanto, que não está a atribuir culpas, até porque “é uma questão de decisão de quem votou e não votou. A repetição ano após ano da ideia de que as decisões são tomadas em Bruxelas sem a participação de cada país, de cada Governo e de cada cidadão cria naturalmente um grande afastamento por parte dos eleitores relativamente aos processos europeus”.
Durante todo o fim de semana, Marcelo Rebelo de Sousa desdobrou-se em apelos ao voto. Com um vídeo íntimo no sábado e várias intervenções na imprensa mesmo durante este domingo, o presidente da República tentou convencer os portugueses de que todos os votos são importantes.
Marcelo pediu o “pequeno sacrifício” de votar nas eleições para o Parlamento Europeu, não deixando “nas mãos de 20% ou de 25% a decisão que é de todos”.
Porém, a meteorologia não esteve do lado do presidente. O calor convidava mais à praia do que às mesas de voto (que ainda por cima foram reordenadas). Ciente disso, Marcelo insistia: os portugueses que “arrumem a sua vida: os que foram passear, os que foram para o campo, foram para a praia, que voltem a tempo de votar ainda”, apelou à hora de almoço em Celorico de Basto.
Com Pedro Soares Botelho / Madremedia