OPINIÃO QUE CONTA: “O fogo fátuo dos tempos modernos” (Paulo Viegas)

Quem deambular à noite por pântanos, e por vezes até em cemitérios, poderá presenciar um fenómeno de beleza invulgar: resultante da combustão espontânea do metano e outros gases inflamáveis que se libertam de matéria animal em decomposição, conseguimos, por vezes avistar uma labareda azulada ténue e de curta duração. Muitos são os incautos animais que, seguindo esta luz bela e efémera, acabam por cair em areias movediças ou águas mais profundas que acabam por se revelar mortais.

Hoje em dia somos tecnológica e intelectualmente confrontados com fenómenos deste género diariamente, a cada página web que abrimos, a cada publicidade que nos aparece no telemóvel, a cada “noticia” que lemos ou a cada ideólogo que seguimos sem entender que se trata, afinal, de um “deus com pés de barro”.

Comunicar é uma arte! Quem o faz bem, cria estes “fogos fátuos” de forma natural e praticamente imperceptível aos olhos de quem os segue. São muitos os objectivos deste recurso comunicacional pese embora, na sua maioria, “vender” algo, seja uma ideia, um produto ou uma personagem, esteja no “top of mind” quando nos debruçamos sobre o tema.

As redes sociais são, usando a alegoria, os pântanos dos nossos tempos e explico: muitas são as ocasiões em que clicamos num link de uma notícia cujo titulo nos parece algo de acordo com os nossos interesses e se revela outra coisa; muitos são os prémios que nos apregoam como tendo ganho e que, vai-se a ver, se revelam nada mais do que um “engodo” para nos fazer gastar dinheiro, por exemplo.

Também na política este fenómeno é cada vez mais visível. O eleitorado está diferente: não quer comícios com multidões, não acredita em púlpitos de pedra ou madeira, não quer edifícios. O eleitorado de hoje quer ideias, quer as suas ideias reflectidas na forma dos políticos comunicarem. O eleitorado de hoje não se revê em dinâmica de massas, quer ser respeitado como individuo. Muitos são os partidos políticos que, observando essa mudança social, adequaram a sua forma de comunicar à forma como o receptor da mesma a acolhe: frases curtas, facilmente entendíveis, facilmente lidas em pequenos écrans (a nova porta de entrada de informação e ideias e ideais) e o sucesso desta nova forma de fazer politica está à vista de todos: nunca, desde há muitas décadas, tivemos tantos partidos representados no parlamento. Este fenómeno deve-se, no meu entender, principalmente graças aos departamentos de comunicação destes novos partidos terem entendido como chegar aqueles que não se reveem nos partidos históricos ou melhor: na forma arcaica que os partidos históricos utilizam para chegar ao eleitorado. Os partidos “históricos” não acompanharam esta tendência com a velocidade devida (ou não acompanharam de todo).

Tal fenómeno traz, como em tudo nesta vida, coisas boas e coisas más: se por um lado pessoas que não se reviam no sistema politico se voltaram a rever e com isso temos uma sociedade mais participativa, por outro abriu-se espaço para alavancar linhas de pensamento que considero estarem nos antípodas da evolução da sociedade como um todo.

Claro está que do “macro” podemos rapidamente estabelecer paralelismos como “micro” ou com o “local” que passo agora a aflorar.

Cantanhede: o maior concelho do distrito de Coimbra. Cidade cujos destinos são geridos há mais de 20 anos pelo mesmo partido. Com o tempo, foram criadas dinâmicas comunicacionais agora enraizadas que, se de início chegavam bem perto da população quer pela visualização de obra feita quer pela comunicação da mesma, com o passar do tempo foram sendo forçosamente alteradas quer pelos motivos que acima referi quer pela mudança de paradigma imposto pela modernização dos meios de comunicação. O problema é que, tal como no “macro” também neste caso a forma de comunicar estagnou fruto de, por um lado uma não necessidade real para alterar a forma de comunicação e por outro uma certa altivez e sobranceria que levaram a que não se visse necessidade de comunicar realmente com o tecido social. Este é um dos graves problemas da não alternância governativa e política da qual sou acérrimo defensor. A única coisa que passou a ser feita em termos de comunicação passou então a ser, mais do que produzir conteúdos, controlar os conteúdos produzidos que de certa forma fossem contra a linha em vigor e nesse campo, honra seja feita, foi um trabalho muito bem executado. Claro está que, não existindo formas irredutíveis, este modelo de “não comunicação” acabou por se revelar frágil: muitas são as vozes que exigem a prestação de contas por parte de quem foi eleito para trabalhar em prol da sociedade.

Este clamor por respostas, por obras reais, por transparência tomou proporções que se revelaram suficientes para “tocar a reunir” os departamentos de comunicação e de forma algo atabalhoada lá se criou, de um dia para o outro uma forma do município comunicar com cinco mil pessoas. Digo atabalhoada porque, com os recursos de que dispõe, com 50 ou 100 euros podia quase instantaneamente comunicar com três ou quatro vezes mais pessoas e não ter de canibalizar uma página que tinha um público fiel (no qual me incluo). Este procedimento é muito habitual hoje em dia, principalmente no meio corporativo: muitas são as empresas que, por forma se inserir no gigante mercado das redes sociais, chegam a comprar páginas já criadas. Estas páginas são “construídas” tendo em atenção rigorosos critérios tais como, idade, localização, género e etnia. Ora, neste caso, tal não aconteceu: o departamento de comunicação tinha criado uma página em 2016 para divulgar conteúdos relacionados com agenda cultural com o nome de “Cantanhede Com Vida”. Passados quatro anos quando a página (que sempre segui) contava já com um público fiel e numeroso, fruto do bom trabalho que quem a foi gerindo, eis que eu e mais cinco mil “seguidores” recebemos uma notificação informando que a “Cantanhede Com Vida” tinha alterado o nome para “Município de Cantanhede” e toda a linha editorial que captou o interesse dessas pessoas foi substituída por uma nova forma de comunicar com conteúdos totalmente diferentes da “agenda cultural do município” que tantos seguiam. Agora deparamo-nos com uma página que noticia a “obra” concelhia e a “obra” de algumas freguesias: algumas da notícias até já nem são notícia pelo atraso na sua publicitação, mas são replicadas até à exaustão. Noto ainda que a escolha daquilo que está a ser comunicado também está a ser gerido “com pinças” de forma a que só se comprometa quem puder ser descartado: a não comunicação do município no que toca a temas relacionados com a crise de saúde publica que todos atravessamos é, para mim, de um silêncio ensurdecedor e o passar o ónus da responsabilidade de comunicação destes assuntos para as freguesias dá a entender que ninguém se quer comprometer. Agora, todos iremos saber, da forma mais enfática possível, o que se irá fazer até outubro de 2021. Parece-me claro que a campanha eleitoral está lançada!

Se, como referi anteriormente, este modo de actuação é normal no meio empresarial não me parece adequado tal acontecer com serviços públicos. Usando a comparação seria como entrar na página do Instituto do Emprego e Formação Profissional e acabar a receber notificações em nome da Autoridade Tributária. Resumindo: o município diagnosticou um problema e resolveu-o da melhor forma que encontrou. Não olhou a meios para o fazer, limitou-se a desvalorizar todo o bom trabalho que a equipa do “Cantanhede Com Vida” desenvolveu desde 2016 e que agora estão a recomeçar do zero. Ainda assim, com a velocidade a que tudo se passa hoje em dia, seria uma tarefa muito difícil comunicar eficazmente com tanta gente num tão curto espaço de tempo criando uma estrutura de raiz. Nota máxima para o “gabinete da crise” que cumpriu com distinção a sua função, nota negativa para o “gabinete estratégico” que obrigou a acionar o outro gabinete.

Cuidado com os fogos fátuos, podem indicar caminhos perigosos.

 

Paulo Miguel Ferreira de Matos Viegas

Comunication Expert

Secretário Coordenador da Secção de Cantanhede do Partido Socialista