OPINIÃO QUE CONTA: “Jornalismo é com jornalistas: O apogeu da desinformação em Cantanhede” (Luís Pato)

“Se há algo que esta crise proveniente do Coronavírus (Covid -19) veio evidenciar no mundo, no país em geral e no nosso concelho em particular é – a imperiosa necessidade de haver uma educação para os média e para o seu consumo. Isto é porque, apesar de nunca como hoje termos tantos meios, ferramentas e informação ao nosso dispor, a verdade é que uma grande parte da população é facilmente enganada.

Em Portugal, as campanhas de desinformação já não são nada de novo. Aliás, o período do Estado Novo – através de uma constante aclamação nacionalista – é um período fértil neste tipo de conteúdos e ações. No entanto, à medida que se assiste à imposição de uma crescente horizontalização do manancial de artefactos tecnológicos e de apresentação de consequentes formas de criação de conteúdos, assiste-se também à eclosão de uma presença, também ela pandémica, em muitos casos a ideia de que: o cidadão comum pode ou que até está capacitado para ser profissional dos média sem estar devidamente habilitado academicamente ou de experiência profissional.

Sejamos claros – não há jornalismo do cidadão! Não é e nunca poderá ser pelo simples fato de hoje facilmente uma pessoa ter a possibilidade de estar equipada com todo o manancial tecnológico necessário para recolher informação que faz dela um profissional desta área. Tal dedução deve-se à desmistificação de ideia que: a verdadeira informação pertence a todos e todos a podem transmitir. Trata-se de um preâmbulo cuja ideologia se sustenta num espírito de partilha. Tradicionalmente esta é uma das essências da Internet e da sociedade vivida em rede, mas não do jornalismo.

Ora, é importante compreender que com o apogeu da Internet, o fluxo vertical da tradicional pirâmide de informação (que começava com o mais importante da notícia – o “Lead”, continuava com o “Corpo do Texto” e terminava com o menos importante – “Final”) foi substituído, na sua proposta na Internet, por um fluxo de conteúdos interativos que inicia com as informações base; tem um nível explicação e de contextualização e culmina com um nível de exploração (Canavilhas; 2007). E é neste contexto que o leitor (ou espetador) assume um papel de recetor de informação em que pode assumir diversas funções – pode ser: passivo; replicador; comentador (ativo) ou ruído (Correia; 2007).

É e a propósito deste último elemento que recordo aqui um papel muito importante na indústria da informação. Trata-se do “Gatekeeper” – uma função fundamental no jornalismo, pois é ela que trata o fluxo da informação que é transmitida. Ou seja, cumpre com a tarefa de impor “noticiabilidade” ao tratamento de um determinado assunto. É o que Hall chama – “News Value” (Valor Jornalístico) (ibid., 2003).

Para compreender este conceito, é essencial entender qual é o papel que é desempenhado pelo jornalismo na sociedade. Por um lado, há que sublinhar que a existência de uma democracia saudável se sustenta num exercício de um jornalismo de qualidade e isento. Aliás, este pressuposto está presente nos relatórios da UNESCO que versam acerca da importância da existência de um “Serviço Público de Média funcional. Ao recordar a frase da autoria de William Randolph Hearst que considera que o jornalismo é: “publicar aquilo que não se quer que se publique. O resto é publicidade”, pode ver-se que na sua essência o verdadeiro exercício jornalístico, através da transmissão de informações, não só contribui para os padrões de formação de uma sociedade, como também tem como missão – fiscalizar o poder. No fundo, pode dizer-se que se trata de uma prática edificante de uma sociedade verdadeiramente instruída e consequentemente livre. Ora, por isso mesmo, o seu exercício deve ser periférico, irrefutável e nunca antropofágico, porque o contorno social dado ao entendimento de um determinado assunto, apresentado através de notícia, servirá de caixa de ressonância à qualidade do seu tratamento informativo.

Como se sabe, há já algum tempo que saúde da dieta mediática dos portugueses está pela rua da amargura. Aliás, quando se afere que uma das maiores fontes de notícias são as redes sociais – daqui resultam vários indicadores que evidenciam não só problema de consumo de informação, como também serve de barómetro da qualidade da nossa democracia.

Existem vários fatores para esta realidade. Para além das supramencionadas especificidades de uma sociedade ligada em rede. Destacam-se também a inexistência de um programa de educação para os media; a qualidade mercantilista de uma parte conteúdos que são produzidos (que se sustenta no interesse em chegar primeiro, em vez de se preocupar com o fato de ser verdade ou não) e a inoperância das entidades reguladoras. Vejam-se o caso dos constantes atropelos mediáticos que não são devidamente tratados à luz lei e das recomendações de organismos como o Sindicato do Jornalistas ou a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.    

Ora, é neste sentido que se pode equacionar os motivos da crescente existência de notícias falsas (“Fake News”) que têm os seus mecanismos catalisadores na: Internet; Publicidade (“Clickbait”); Algoritmia – que criam uma “bolha informativa” (“Filter Bubble”) e nas Redes Sociais (OberCom; 2019). Porém, para além da forma em que estes conteúdos se apresentam, para compreender o que são notícias falsas, e necessário entender a sua intenção. Na sua essência são conteúdos tratados intencionalmente acerca de um determinado assunto, que pode ser fabricado e misturado com factos, que visa beneficiar os promotores da mensagem (ibid., 2019).

Em 2018, a Comissão Europeia destacou quatro eixos para combater este tipo de desinformação: 1) transparência na produção; 2) diversidade na informação; 3) credibilidade da informação; 4) e soluções inclusivas entre todas as partes interessadas – onde se inclui os poderes governamentais e o próprio público.

Num momento em que este vírus atacou não só o mundo, mas a essência da nossa vida em sociedade – a globalização, é inquietante assistir-se a uma crescente presença quase ardilosa de alguma desinformação através de propostas mediáticas duvidosas. Não são os média de proximidade como se apresentam. Tratam-se essencialmente de uma ameaça à saúde já periclitante da nossa democracia. São enviesamentos da opinião pública – cuja saúde, como vimos, é essencial à nossa vida em sociedade. São tentativas de lançar o pânico. Veja-se, por exemplo, a quantidade de pessoas que além de pretenderem saber quantos os infetados pelo Covid 19 no nosso concelho, querem também saber quem são os munícipes infetados e de onde são. Será que a seguir pretenderão marcá-los – quiçá, até pintando-lhes as paredes da casa com dizeres, ou tatuando-os com um número e obrigando-os depois a usar uma farda às riscas com a estrela de David sobreposta. Pelos vistos, já estivemos mais longe.  

Por isso, e em jeito de conclusão sublinho que:  jornalismo é com jornalistas. Tal como não há medicina ou cuidados de saúde de índole civil – existem curandeiros, bruxas, calistas e endireitas etc… São curiosos… Não são profissionais!

Em suma, todos temos o direito de opinar e publicar acerca de qualquer assunto. Porém, será que todos estão capacitados para dominar uma profissão que é considerada o “Quarto Poder”?

Luís Miguel Pato

Profissional e Docente em Ciências da Comunicação”