OPINIÃO QUE CONTA: “Estas verdades que “matam”” (António Veríssimo)

Em tempos que já lá vão, frequentei uma das repúblicas de Coimbra. Não fui estudante mas tive amigos dentro da dita. E quando chegava e procurava por um ou outro dos meus amigos, a velha senhora, que era empregada da casa já há muitos anos, respondia-me: “O senhor Doutor não está. Mas se o senhor Engenheiro quiser… eu digo ao senhor Doutor que esteve cá”.

Nem o meu amigo era doutor (andava no segundo ano de medicina), nem eu era engenheiro (já deambulava pelo jornalismo) mas aquilo era um hábito velho da senhora da casa.

Não me consta que alguns doutores e engenheiros que “moram” em São Bento tivessem sequer conhecido a República dos Corsários ou outra qualquer da cidade do Mondego.

Porque tenho memória, abomino tudo o que seja fascismo. Os partidos nazis, seja em Portugal, seja onde for, não deviam ser legalizados. Mas são. E contra isso pode-se gritar que não deveriam ser. Mas pouco mais se pode fazer. A não ser educar os mais jovens para os perigos que daí podem vir e falar-lhes do passado em Portugal e na Alemanha, bem como noutros países onde o fascismo foi poder. Independentemente disso, temos que contar com o feitiço que se pode virar contra o feiticeiro ou seja não podemos dar-lhes argumentos para se fazerem de vítimas. Isso, geralmente, leva muita gente atrás…E, nesta altura do campeonato, a propaganda que continua em torno de Salazar e de Hitler, bem como de outros ditadores ou potenciais candidatos, seja na rua ou seja nas redes sociais, não augura nada de bom quanto ao futuro. A imagem vendida por saudosistas do passado pode enganar todos aqueles que não viveram a época do Estado Novo, não sabem o quanto outras gerações sofreram às mãos da PIDE, a polícia de Salazar que torturava e assassinava quem não pensava como o ditador de Santa Comba Dão.

Lá fora, o mundo está suspenso da vontade dos homens. Lá fora, há quem semeie ventos esperando não colher tempestades. Lá fora, há quem teime em chutar para canto as verdades que dizem que nem tudo o que parece é. Lá fora, há um poder autista que nos explora, chateia e “mata”. Lá fora, há uma praça, uma rua, uma avenida, onde podemos lutar. Lá fora, há um país que espera por nós.

ANTÓNIO VERÍSSIMO