Neto de Moura foi um dos juízes da Relação do Porto que decidiram invalidar este julgamento em processo abreviado. Foi considerado que há apenas um testemunho presencial, o da vítima, e faltam “provas simples e evidentes”
O arguido deste processo já tinha sido condenado em 2012 no tribunal de Matosinhos, por um crime de violência doméstica contra menores, a uma pena suspensa de dois anos e meio de prisão, sentença já transitada em julgado. Os dois desembargadores – o relator foi Lígia Figueiredo – consideraram que o julgamento em processo abreviado não era admissível. O processo abreviado é uma das formas especiais de processo penal e caracteriza-se pela redução de prazos e pela supressão de certas fases processuais. É o Ministério Público que pode requerer esta forma nos casos em que “o crime seja punível com pena de multa ou com pena de prisão não superior a cinco anos e houver provas simples e evidentes de que resultem indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente”.
Neste processo que correu no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia foi seguida esta forma de julgamento, de modo indevido, aponta a Relação do Porto. ” Não se pode ter como verificado o pressuposto processual relativo à aplicação do processo abreviado relativamente à existência de provas simples e evidentes, quando tendo presente os depoimentos das sete testemunhas, o lapso temporal de cinco anos e a circunstância de os factos terem ocorrido, grande parte no interior da casa de morada de família, e inclusive no quarto e na cama do casal, quando não existem testemunhas presenciais, além da ofendida, em relação a todos factos concretos imputados ao arguido, não transmitindo por isso uma visão uniforme dos acontecimentos”, apontam os juízes, concluindo: “O uso da forma de processo abreviado não era admissível e a sua utilização integra a nulidade insanável (…), que torna inválida a acusação e os atos posteriores, designadamente o julgamento e a sentença.”
Para os desembargadores, “não existem testemunhas presenciais, além da ofendida, em relação a todos os concretos factos imputados”. Mas admitem que tal “raramente ocorrerá em crimes de violência doméstica”. Como o processo abreviado está “direcionado para casos de pequena criminalidade e de prova inequívoca ou evidente”, este caso não deveria seguir por essa forma por não existirem “provas simples e evidentes”.
Socos e pontapés
O caso reporta a um casal que vivia em união de facto desde 2011, com duas crianças. Ficou dado como provado no julgamento que, em 2012, o homem pressionou a mulher para ter relações sexuais quando esta estava grávida e a ameaçou. Na discussão, e depois de a mulher “lhe ter chamado corno, o arguido desferiu-lhe um soco na face, originando-lhe um hematoma visível”. Entre outros episódios de violência verbal e física, consta da sentença que “em 2015, no decurso do último trimestre de gravidez de C., na casa de ambos, na sequência de uma discussão e depois de C. o ter empurrado com força, o arguido desferiu-lhe um pontapé nas costas, atingindo-a na zona dos rins e provocando a sua queda para cima do filho, que se encontrava deitado na cama”.
A mulher saiu de casa em maio de 2017, mas o homem tentou por diversas vezes reatar a relação. Foi detido em junho de 2017 e ficou em liberdade com pulseira eletrónica, proibido de se aproximar da vítima. O que desrespeitou, tendo esperado a mulher que saía de um restaurante com um amigo para a abordar, enviado sms e feito telefonemas. Com a sentença invalidada, tal como a acusação, o processo segue para o MP para formulação de nova acusação.
Processo disciplinar: testemunhas ouvidas
O processo disciplinar que foi instaurado pelo Conselho Superior de Magistratura ao juiz desembargador Neto de Moura está em fase de audição de testemunhas. Depois de ter sido iniciado em dezembro, o juiz recebeu a nota de culpa e a sua defesa entregou uma contestação aos factos imputados que indiciam a violação de deveres de correção e de prossecução de interesse público. As testemunhas começaram a ser ouvidas na segunda-feira, pelo que não estará para breve a conclusão do processo em que a juíza Maria Luísa Arantes é também visada por violação do dever de zelo. Em causa um acórdão da Relação do Porto sobre um caso de violência doméstica em que Neto de Moura cita a Bíblia e o antigo Código Penal para diminuir a mulher adúltera.
DN