A covid-19 marca um antes e depois na vida da linha SNS24 e dos seus profissionais de saúde, que além da luta para vencer a pandemia tentam também superar o cansaço de nove meses de chamadas sem tréguas.
No ‘call-center’ situado no centro de Lisboa, algumas dezenas de profissionais distribuídas ao longo de um ‘open space’ procuram dar resposta às preocupações das pessoas, enquanto um monitor vai debitando em tempo real os números do atendimento. As chamadas não param, mas não se ouvem telefones a tocar incessantemente com a exigência de uma resposta; tudo é digital, rápido e repetido pelos profissionais ao ponto de parecer mecanizado.
Com 51 anos e desde 2003 no centro de contacto do Serviço Nacional de Saúde, o enfermeiro José Gouveia, que também trabalha no serviço de cirurgia geral do Hospital Garcia de Orta, em Almada, admite à Lusa que este foi “um ano muito complicado” e que a primeira vaga da pandemia confrontou o SNS24 com o “desespero total”.
“Somos a primeira linha no atendimento e na satisfação das dúvidas das pessoas, uma vez que havia limitações para os centros de saúde e para as urgências. Éramos quase a única ajuda possível, embora com dificuldades”, conta, calmamente, em contraste com os dias agitados pela impossibilidade de responder a todas os problemas.
E não foi só do outro lado da linha que se registaram mudanças. José Gouveia responde aos telefonemas ao longo do turno com a máscara colocada, à imagem de todos os seus colegas, agora distanciados por alguns metros de segurança e com muitos em situação de teletrabalho. Quando sair, será tempo de rumar ao hospital para continuar o combate e ser substituído por outro colega, que não se senta antes de desinfetar a área de trabalho.
Instituíram-se novos procedimentos, definiram-se novas orientações e tudo teve de ser assimilado sem perder tempo, num contexto em que a informação sobre o novo coronavírus desafiou até os profissionais mais experientes e generalizou a incerteza face ao futuro.
“É preciso ter alguma experiência, que aqui conta, mas às vezes é difícil com algumas artimanhas. É ter a experiência de triagem e tentar perceber o que é efetivamente: se são sintomas relacionados com a covid-19, com a ansiedade, etc. É a experiência que nos dá esse ‘feeling’, essa proficiência”, explica José Gouveia, garantindo ter “os mesmos princípios e a mesma dedicação, mas com mais esforço”.
No espaço de trabalho ao lado, Manuel Mourão, enfermeiro de 52 anos e com quase 30 de experiência profissional, revê nos dias vividos com esta pandemia o seu início no SNS24, em 2009, com a epidemia de gripe A. Todavia, mesmo com a acumulação do trabalho no serviço de urgência do Hospital de São José, em Lisboa, recusa baixar os braços.
“Como estou numa urgência, a sobrecarga tem sido enorme e obviamente que os profissionais de saúde estão um bocadinho esgotados, mas isso não é desculpa para nós. Como costumo dizer, todos os dias tomo o meu banho, visto a minha farda de enfermeiro e vamos para a luta”, resume, nomeando como arma o conhecimento para “esclarecer com tranquilidade e dar algumas diretrizes bastante assertivas” para que a pandemia fique sob controlo.
Ao contrário da maioria dos dias dos últimos meses, Manuel Mourão está no edifício a prestar serviço em vez de o fazer a partir de casa. Apesar de sentir falta da convivência com os amigos criados ao longo de 11 anos, este enfermeiro especializado na área de psiquiatria assume o conforto da opção e reconhece as vantagens na redução dos riscos de contágio.
Ato contínuo, Catarina Rebelo, enfermeira de 25 anos, chega para ocupar o lugar. Depois de desinfetar a mesa, o computador e o ‘kit’, coloca as suas borrachas nos auscultadores para começar a atender chamadas. É assim a rotina que abraçou há cerca de um mês, depois de decidir responder a um email da Ordem dos Enfermeiros a pedir candidaturas para o SNS24.
“Senti que havia uma necessidade de querer participar na ajuda da linha da frente da pandemia e que não conseguia exercer no meu local de trabalho. Então, optei por este local, sendo um sítio em que estamos muito em contacto e ajudamos as pessoas, apesar de não serem cuidados diretos”, confessa a jovem, que ainda vive em casa dos pais e trabalha também numa clínica privada.
Sem esconder que a vinda para o SNS24 foi uma escolha puramente “pessoal” e movida pelo desejo de uma “nova aventura”, Catarina Rebelo reconhece já o cansaço nos colegas depois de um mês de novembro “assustador” que assinalou logo nos seus primeiros dias o pico da segunda vaga da pandemia no país.
“Efetivamente, eram muitas chamadas em espera quando eu entrei e era uma coisa completamente nova. Foi bastante assustador”, relembra, embora adiante estar “a adorar” a experiência: “É bastante motivador o facto de estarmos aqui a ajudar as pessoas e elas mostram mesmo durante as chamadas que estão satisfeitas com a nossa ajuda e o nosso apoio. E isso é gratificante”.