“VACINAS CONTRA O ÉBOLA DEVEM COMEÇAR A SER PRODUZIDAS NA PRIMAVERA”

O mundo “está empenhado em encontrar uma cura” para o ébola, mas acordou “demasiado tarde” para a gravidade da epidemia, afirma o diretor do Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças (ECDC, na sigla inglesa). Em entrevista à Rádio Renascença, Marc Sprenger revela que uma vacina eficaz contra o ébola, doença que já matou mais de seis mil pessoas, deve começar a ser produzida na Primavera do próximo ano. O Ocidente acordou demasiado tarde para a gravidade do vírus do ébola? Não há uma resposta fácil. Estamos a falar de um surto com um comportamento diferente de surtos anteriores. Embora tenha partido de zonas rurais, neste momento está a afetar sobretudo as zonas mais urbanas. As zonas rurais foram sempre as mais afetadas, até este surto. Mas sim, o mundo acordou demasiado tarde. Se tivesse havido mais controlo da doença no início, teria sido obviamente melhor. Mas, como já disse, esta é uma situação nova. Não nos podemos esquecer que os países mais afetados pelo vírus têm estruturas sanitárias pouco desenvolvidas. Em geral, o mundo subestimou o impacto do ébola. O ébola é uma ameaça para a Europa? Do meu ponto de vista, o surto em África Ocidental não é de todo uma ameaça para o continente europeu. Inevitavelmente, teremos casos de europeus infetados e é importante que a Europa esteja disponível para receber e tratar pessoal médico infetado com a doença. Mas, para o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, não veremos um surto do vírus no nosso continente. Quantos europeus é que já foram infetados pelo vírus? Apenas sabemos que seis europeus infetados regressaram à Europa. Não sabemos quantos europeus já contraíram a doença. Também não sabemos quantas pessoas já foram infetadas pelo ébola num panorama geral e quantas morreram. Claro que temos uma pequena noção do número de casos e que ronda os 15 mil. Mas estamos convencidos de que se trata de um número muito longe do real e que existem muitos mais infetados. Em que fase está a produção de vacinas? Neste momento, existem algumas vacinas a serem testadas, entre as quais estão três potenciais “candidatas”. Os testes estão a decorrer na Suíça, no Reino Unido e na Alemanha. Esperamos obter os primeiros resultados ainda no final deste ano, no máximo no início do próximo ano. Fora da Europa, temos testes a decorrer nos Estados Unidos da América, no Mali e no Quénia. As vacinas devem estar prontas para produção em grande escala na Primavera de 2015. A organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) vai receber três testes clínicos em três dos seus centros de tratamento do ébola na África Ocidental. E apontou como razão para esta decisão a falta de tratamento para o vírus. O Ocidente não está empenhado em encontrar uma cura? No geral, o mundo está empenhado em encontrar uma cura para esta doença. Mas não é fácil. Na Europa não temos muitos pacientes e, por isso, os únicos sítios para fazer testes é nos países mais afetados pela epidemia. Teresa Romero foi a primeira pessoa infetada com ébola na Europa. Que impacto teve este primeiro caso nas políticas públicas de saúde europeias? O primeiro caso de ébola na Europa fez-nos perceber a importância dos equipamentos de proteção individual e da forma como tratamos os pacientes nos hospitais. Ensinou, ainda, que tratar alguém com ébola não é assim tão fácil. No fim, aprendemos que temos de estar mais bem preparados para enfrentar e tratar o vírus. Diz que não tem medo de “arregaçar as mangas quando é preciso”. Este surto já o obrigou a arregaçar as mangas? Sim, claro. Enquanto médico, quero fazer a diferença. No ECDC, queremos fazer a diferença e tentamos perceber como o poder conseguir. Temos apostado em equipas multidisciplinares e enviamos profissionais de saúde para a Libéria, Serra Leoa e Guiné-Conacri sob guarda da Organização Mundial da Saúde (OMS). A nossa organização é pequena e não tem a obrigação de enviar pessoal médico para fora da Europa. Mas dentro das nossas possibilidades, temos tentado ajudar o mais que podemos os nossos colegas em África Ocidental. Qual vai ser o comportamento do ébola nas próximas semanas? Receio que não possamos fazer previsões em termos de semanas, mas tenhamos de falar em meses. A boa notícia é que a Nigéria conseguiu controlar a doença. Neste momento, temos novos casos no Mali, sendo que estão circunscritos a pessoal hospitalar. Temos verificado alguma melhoria na Libéria. Já na Serra Leoa e na Guiné-Conacri, a situação não é nada boa. A 6 de Dezembro faz um ano que o caso zero surgiu. Que avaliação faz deste ano? O que aprendi é que temos de estar muito atentos aos nossos sistemas de saúde e à sua capacidade de enfrentar eventuais doenças infeciosas. Temos de renovar permanentemente as nossas barreiras com estes tipos de surtos, não só na Europa, mas também em zonas como África Ocidental. É fundamental apoiarmos os países mais pobres e ajudar a construir sistemas de saúde sem deficiências.