Telemóvel aos 10 anos é comum

Que idade tinhas quando te deram o primeiro telemóvel? Segundo um estudo do Instituto Superior Técnico, de Lisboa, a média de idade em Portugal está nos 10,4 anos e não tem sofrido alterações significativas.

O fenómeno começa mesmo a ser visto com normalidade pelos especialistas. A descer está o recurso aos sms. Mas aí a responsável já é a Internet, que está em 85% dos dispositivos dos mais novos, com todas as aplicações associadas.

Desenvolvido por uma equipa de engenheiros do Instituto Superior Técnico (IST), o estudo verificou que 65% dos alunos obtiveram telefone móvel entre os 10 e 12 anos, mas também há quem o ganhe antes disso: aos cinco ou menos. Foi o caso de 50 dos 7820 inquiridos nos últimos quatro anos (0,6%).

No mesmo período, 172 crianças tiveram o seu primeiro telemóvel aos seis anos, 233 aos sete anos, 557 aos oito anos e 852 aos nove, concentrando-se o maior número (2448) aos 10 anos, refere Daniel Sebastião, do projeto FAQtos. “A partir dos 13 anos, a sua presença é praticamente regra”.

Não ter telemóvel passou a ser coisa rara. Foram ouvidos quase oito mil alunos de escolas secundárias do Norte ao Sul do país, com maior representação de instituições da zona de Lisboa. E só 32 não possuíam telemóvel. Daniel Sebastião sublinha que, do que foi possível apurar, “não há diferenças acentuadas entre regiões”.

Em 2010, o engenheiro achou precoce o uso do telemóvel aos 10 anos e por isso foi observar o que se passava à sua volta. Falando com pais e reparando no comportamento dos miúdos, rapidamente as dúvidas se desfizeram.

Tito Morais, coordenador do projeto “Miúdos Seguros na Net”, diz que a idade média calculada “bate certo com a perceção empírica. Provavelmente, até estará a baixar”. Ambos destacam uma outra nota do estudo, nomeadamente o facto de a grande maioria dos adolescentes começar por ter internet no tarifário. Em 2010, apenas acontecia em 35% dos equipamentos; em 2014/2015 quase se universalizou (85%).

Tito Morais justifica o uso do telemóvel aos 10 anos por coincidir com a fase da mudança de escola – fica para trás a primária, que era perto de casa – e com a fase em que se multiplicam horários e atividades. “Antes dos 10 anos, já me parece cedo para ter telemóvel”. O que sucede “é que, hoje em dia, o telemóvel não é só um telemóvel, é um dispositivo de jogos, uma câmara fotográfica, uma câmara de filmar. É muito atraente”.

O professor universitário José Luís Fernandes, da Faculdade de Psicologia do Porto, não diaboliza o uso do telemóvel. “As tecnologias não são boas nem más, depende da utilização que se lhes dá”. Se em vez de conversarem à mesa estão a mandar mensagens, haverá um mau uso, mas “isso tanto vale para os filhos como para os pais. Os adultos esquecem-se que as crianças aprendem com o exemplo“.

Tito Morais lembra que, “se os filhos não vão buscar os modelos aos pais, vão buscá-los às Kim Kardashian que andam por aí”.

Em mensagens escritas, o balanço aponta 81 enviadas em média por dia durante o último ano, equacionando-se o emergir de um novo modelo de comunicação. “Houve uma reconfiguração das formas de relacionamento. Não tem de significar menos relacionamento físicos, também pode incentivá-los”, declara José Luís Fernandes. “Para os adolescentes, é normal falarem dessa forma. Seria fazer futurologia estar já a condená-la”.

A quantidade de sms enviadas baixou no último ano. Na leitura do investigador Daniel Sebastião, será “provavelmente devido ao crescendo de aplicações – Viber e Whatsapp – que as permitem de forma completamente gratuita”.

Telemóvel aos 10 anos é comum

As mães: “Sentimo-nos mais seguras”

“Fogo! Quase todos os meus colegas têm telemóvel e eu ainda não”, lamenta-se Guilherme Pinto, 10 anos, à saída da Escola Básica e Secundária de Carrazeda de Ansiães, onde frequenta o quinto ano. “Ainda vou ter de esperar até ao Natal!” A cara de enfado há de mudar de ar quando o tiver no sapatinho, que os pais já lho prometeram.

É dos poucos que não o receberam na passagem do quarto para o quinto ano, como aconteceu com os colegas Lara Gomes e Miguel Cancela. Já Rui Gaspar Moreira tem telemóvel vai para dois anos. Recebeu-o no Natal “porque o mereceu”, mas a mãe, Conceição Lima, não o deixou levá-lo logo para a escola. “E atualmente só o faz quando os pais têm de se ausentar, para que possa ligar quando acabam as aulas”, acrescenta, sentindo o filho “mais seguro” por poder estar contactável.

Calhou ontem haver magusto na escola, no qual Lara não quis demorar-se. Pegou no telemóvel e telefonou à mãe, Suzi Gomes, para ir buscá-la. “De cada vez que é preciso, ela liga-me, ou ao pai, ou mesmo à avó”, adianta a progenitora, que não acha que seja cedo para dar telemóveis às crianças. “Como mudaram de escola, é mais seguro tê-los sempre contactáveis”, salienta.

Também serve para castigo

E há sempre quem perca a noção do tempo no trabalho, como é o caso de Sandra Raimundo. Ora, desde que o Miguel tem telemóvel não há problemas. “Se eu me atraso, ele liga logo para o ir buscar”. Por outro lado, é sempre um objeto que “dá muito jeito na hora de aplicar um castigo quando se porta mal”.

Parcos em palavras, os miúdos coincidem nas respostas: “Queria muito ter um telemóvel. Serve para fazer chamadas, mas sobretudo para jogar”.

Fonte JN