Síria: Após a derrota do Estado Islâmico há crianças famintas e mulheres feridas em hospitais lotados e sem condições

Os paramédicos no campo de al-Hol fazem uma lista de ferimentos e doenças dos bebés retirados na zona de conflito e levados para a clínica lotada e suja: desnutrido, com crescimento atrofiado e perna partida. A reportagem da Reuters que nos leva à clínica de um campo de refugiados com mais de 70 mil pessoas e a um hospital onde há dois e três bebés em cada berço. O “califado” foi derrotado na Síria, mas ficam as crianças, as mulheres, os feridos e deslocados.

Do campo de al-Hol para o hospital mais próximo, em Hasaka, são transportadas as crianças em situação crítica. Aqui, as equipas de emergência instalaram contentores provisórios que servem como ala pediátrica improvisada para bebés malnutridos, por vezes dois e três no mesmo berço, conta a agência.

Os que precisam de cuidados críticos são na maioria recém-nascidos, filhos das esposas de militantes do autoproclamado Estado Islâmico, cuja derrota foi anunciada, no final do mês de Março, após combates em Bagouz, o último reduto ‘jihadista’ na Síria.

Estas instalações provisórias pediátricas são no topo do edifício do hospital. Nos pisos de baixo, adolescentes em convalescença recebem cuidados. Há menores sem membros e mulheres com ferimentos de bala.

O êxodo de mais de 60 mil pessoas de Bagouz está a assoberbar os serviços de emergência no leste da Síria, mal equipados para dar resposta. Várias pessoas acabaram por falecer no percurso de 240 quilómetros até ao campo de refugiados de al-Hol, ou pouco depois de terem chegado. Segundo informações do Comité Internacional de Socorro, são já mais de 200 casos.

“O meu filho tem a anca deslocada, precisa de ser operado com urgência”, conta Umm Mohammed à Reuters, uma mulher de 33 anos, no campo com o seu filho. “Os médicos continuam a dizer que têm casos mais urgentes para lidar”, acrescenta.

Na sala de espera da clínica no campo, dezenas de pessoas que abandonaram Bagouz, durante uma breve trégua no mês passado, esperam em bancos de madeira ou no chão de cimento. Crianças em cadeiras de rodas aguardam e vêm bebés a chorar enquanto são enfaixados ou vacinados.

O campo de al-Hol abriga mais de 70 mil pessoas deslocadas pelo conflito. Na clínica, uma mulher conta que não tem analgésicos suficientes para suportar a dor de uma ferida na mão, provocada uma explosão que a feriu e matou três dos seus parentes. Parte de uma haste de metal continua alojada nos seus dedos. O seu desejo era fazer o raio-X no hospital.

Mas os hospitais só conseguem tratar os casos mais graves. Num dos quartos do hospital de Hasaka, Baraa al-Kurdi, de 19 anos, está deitada sem se mover junto a um rapaz com queimaduras de terceiro grau na cabeça.

“Ele foi atingido na cabeça com estilhaços. Estávamos junto a um carro cheio de explosivos e munições, incluindo cintos suicidas prontos a serem usados pelos combatentes”, conta Baraa al-Kurdi, esposa de um militante do autoproclamado Estado Islâmico. “O meu marido foi morto, a minha filha, com apenas um mês, está lá em cima na ala pediátrica”.

Muitos dos que ficaram em Baghouz até ao fim dos confrontos eram apoiantes do autoproclamado Estado Islâmico, alguns dos quais vieram do exterior para apoiar o movimento radical.

Assim, alguns países europeus recusaram-se a receber cidadãos que saíram para ir apoiar o autoproclamado Estado Islâmico, aumentando a pressão sobre as autoridades locais para lidar com estes prisioneiros e pacientes. Um dos casos recentes que chegou às notícias portuguesas foi o de Shamima Begum, de 19 anos, que pediu para regressar ao Reino Unido.

“Chegam crianças do campo [de al-Hol] dia e noite. Atualmente temos mais de 70 bebés a receberem tratamento para a desnutrição”, contou uma enfermeira à Reuters, que pediu para não ser identificada por questões de segurança.

“A maioria dos casos recebe tratamento e depois [os pacientes] regressam ao campo. Poucos morreram. Estamos a fazer o nosso melhor, mas tínhamos já recursos limitados antes desta enchente”, acrescenta outro funcionário do hospital.

Há ajuda internacional, mas está longe de dar resposta ao necessário.

AFP

Fotos: Delil SOULEIMAN / AFP e FADEL SENNA / AFP