Parlamento discute, esta quinta-feira, dois diplomas, do PAN e do Bloco de Esquerda, para alterar o Código Penal relativamente aos crimes sexuais.
Se não há consentimento, há violação, e portanto, há crime. Com ou sem marcas de violência. É este o ponto de partida para os projetos de lei de Bloco de Esquerda e PAN, que vão a debate, esta quinta-feira, na Assembleia da República, e que pretendem alterar o Código Penal para que o crime de violação deixe de ser definido, ou não, pela existência de violência física.
“Segundo a interpretação da lei portuguesa, só há crime de violação quando há violência associada, como se a violação não fosse, por si só, um ato de violência. A existência de violência é contemplada na alteração proposta, mas enquanto agravante”, diz à TSF a deputada bloquista Sandra Cunha.
A questão do consentimento é, também para o deputado do PAN, um passo essencial. André Silva refere que é necessário alterar um “paradigma” existente. “Os crimes de coação sexual e violação têm por base a existência ou não de violência e pretendemos que tenha por base a existência ou não de consentimento. Para nós esse é o aspeto fundamental”, salienta.
As alterações propostas por BE e PAN pretendem a aproximar a legislação portuguesa dos princípios inscritos na Convenção de Istambul – uma Convenção do Conselho da Europa sobre a prevenção da violência contra as mulheres e violência doméstica -, ratificada em 2012 pelo Estado português e em vigor desde 2014. Um texto cuja transposição para o ordenamento jurídico português, lamentam os dois partidos, não foi feita da melhor forma.
“O que consta [da Convenção de Istambul] relativamente a crimes sexuais é que não pode ser na existência de violência que reside a natureza do crime, mas sim na existência ou não de consentimento”, refere Sandra Cunha.
Na tentativa de promover alterações à lei, há convergência entre os dois diplomas, mas também algumas diferenças. Apesar de ambos os projetos de lei proporem um aumento das molduras penais, o BE pede uma pena mínima de cinco anos, enquanto PAN pede um mínimo de seis anos, também com o objetivo de reduzir o numero de casos em que o agressor é punido com pena suspensa.
“Se olharmos para os relatórios de segurança interna todos os anos, um dos poucos crimes que continua a crescer é o de violação. Algo está mal e, de facto, um dos aspetos tem que ver com o facto de o limite mínimo da moldura penal permitir um uso abusivo e banalizador da pena suspensa“, assinala, em declarações à TSF, André Silva.
E acrescenta: “As penas estão desadequadas daquilo que são as expectativas da sociedade”.
Pelo BE, também a deputada Sandra Cunha lamenta que os crimes de violação continuam a ser tratados como crimes menores: “Continuam a ter no Código Penal um peso inferior àquele que é atribuído a outros, como é o caso dos crimes contra o património, que são punidos de forma muito mais gravosa”.
Os dois projetos de lei vão agora a debate, em plenário, mas com a convicção de ambos os partidos de que é possível trabalhar num texto comum, em sede de especialidade, e que possa ter votação favorável dos restantes partidos.
“Pensamos que o PS, mas também outros como PSD, estejam disponíveis para discutir na especialidade e levar esta matéria a uma votação final global”, adianta o deputado do PAN. Quanto ao BE, vê nos socialistas “alguma abertura” para se possa chegar a “algum tipo de alteração”, notando que “foi reconhecida a necessidade de harmonizar o Código Penal”.
João Alexandre / TSF