Numa sala do Convento de S. Francisco, em Santarém, um grupo que inclui pessoas com doença mental aprende a desenhar e a pintar, num projeto que trabalha o crescimento pessoal através da criatividade e a inclusão na comunidade.
O projeto, do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santarém (HDS), financiado neste primeiro ano pela Fundação EDP, permite que os utentes, com doença mental grave, se insiram em grupos que integram igualmente pessoas referenciadas por exclusão social pela Santa Casa da Misericórdia e membros da comunidade, para frequentarem, duas vezes por semana, uma “oficina artística” orientada pelo jovem artista plástico e estudante de psicologia João Maria Ferreira.
A criação destes grupos — um a funcionar desde o início de dezembro de 2016 até ao final de maio e outro a partir de junho até ao fim de novembro deste ano — constituiu um “passo à frente” no trabalho que o serviço tem desenvolvido no sentido da inclusão e da redução do estigma.
“Nos últimos anos, todos os nossos trabalhos, todos os nossos projetos, procuram abrir portas para a comunidade. Sair do hospital e deslocar para a comunidade. O que é inovador neste projeto é que não é só formado por pessoas com doença mental”, salientou à Lusa Ana Mendes, psicóloga da equipa do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santarém.
Antónia Lança, funcionária da Câmara Municipal de Santarém, de baixa médica por uma doença oncológica, encontrou na “oficina artística” uma forma de “viver momentos diferentes” e de “esquecer” a doença.
Começou por “tomar o gosto” pela escrita — escreve poesia desde os 50 anos — e, mesmo sem nunca ter desenhado antes, está agora a “tomar o gosto” por uma arte que lhe tem feito “muito bem”, disse à Lusa.
A ideia de que a experiência “está a ser boa” e que ajuda a “ocupar o tempo” é partilhada por utentes como Manuela da Conceição, que tem na pintura uma “paixão” e que se esforça por gostar de desenho, como Rodrigo Rodrigues, antigo estudante de artes com o sonho de ser arquiteto, que leva daqui “mais conhecimentos” para os desenhos e pinturas que vai fazendo em casa, ou como Luísa Ferreira, que dá os primeiros passos numa arte de que sabe “muito pouco”.
João Maria Ferreira criou um “diário de bordo”, o blogue “A Caverna da Andorinha”, onde vai mostrando os desenhos dos alunos e narrando as vivências de um desafio que lhe foi lançado no verão de 2016 e no qual embarcou sem esconder o nervosismo perante “tamanha responsabilidade” mas com uma vontade enorme de mostrar que a “paixão por rabiscos pode tocar a todos, sobretudo aos que procuram um refúgio para a alma, às vezes tão fragmentada”.
A exemplo do que acontece com outros projetos da Psiquiatria do HDS, como a “Loja de Trocas” aberta há pouco mais de um ano no Bairro de S. Domingos, com funcionamento assegurado por utentes do serviço, também as “oficinas criativas” decorrem em espaços da cidade.
Além das aulas num “espaço emblemático” cedido pela autarquia, dentro do Convento de S. Francisco, estão previstas ações em vários lugares públicos com convite à participação da comunidade.
“Estamos a conseguir ir mais longe na nossa ambição pela inclusão e de tirar as pessoas com doença do hospital”, sublinhou Ana Mendes.
Das aulas orientadas por João Maria Ferreira sairão as obras de arte que vão estar expostas, e à venda, em dois momentos, em locais cedidos pelo Centro Cultural Regional de Santarém, um livro com “histórias de vida” em banda desenhada e uma escultura do “Tintas”, o “ícone” do projeto, que ficará num espaço público.
Carla Ferreira, enfermeira da equipa, disse à Lusa que além de toda a comunidade ter acesso ao trabalho desenvolvido, o objetivo é reunir os meios financeiros para a continuidade do projeto.
Previsto está ainda o envolvimento dos utentes do Hospital no “fabrico” de pequenos “Tintas” em material reciclado para funcionarem como meio de divulgação das ações na comunidade.
Por outro lado, vai ser feito um estudo para avaliar o impacto desta intervenção, que será apresentado nas primeiras Jornadas “Arte & Inclusão” e que conta com a colaboração de alunos da Escola Superior de Tecnologias da Saúde, do Instituto Politécnico de Santarém, na aplicação de inquéritos (antes e depois) na comunidade e no próprio grupo para avaliar os níveis de estigma e os impactos na autoestima dos doentes, e de um professor de estatística da Escola Superior de Gestão do IPS para tratamento dos dados, afirmou.
Lusa