Aos 38 anos, Isabelle Oliveira, professora e investigadora luso-francesa, acaba de tomar posse como vice-reitora da Universidade de Sorbonne, em Paris. É a primeira vez que uma académica que tem nacionalidade portuguesa chega à direção de uma das mais prestigiadas instituições de ensino superior do mundo.
Numa academia que mantém algum “conservadorismo”, a professora catedrática reconhece que o feito não é assim tão comum para quem ‘vem de fora’. “Sempre fiz questão que soubessem que também tenho nacionalidade portuguesa. Sempre prezei ser ‘Oliveira’ e não ‘Olivier’. Para mim não é um handicap, porque na Sorbonne sabem que toda a minha formação é francesa. Caso contrário, não sei se teria chegado a este cargo. Até agora, os lugares de grande chefia têm sido ocupados por franceses de ‘gema’, com nomes bem franceses”, conta Isabelle Oliveira, nascida em Negreiros, freguesia do concelho de Barcelos.
A permanência em Portugal foi curta. Ainda bebé, emigrou com os pais para Franche-Comté, junto à fronteira com a Suíça. E o contacto com o português foi posto de lado. Em casa, era em francês que se falava porque os pais entendiam que era mais importante dominar bem o idioma utilizado na escola. A oferta de português era inexistente na região e o espanhol e inglês acabaram por ser as línguas aprendidas por Isabelle Oliveira. “Foi só quando cheguei à universidade que comecei a aprender”, recorda agora num português fluente com sotaque francês. Os romances de Eça de Queirós foram uma ajuda preciosa. Mas foi o ano de Erasmus que fez em Portugal – “quis ir ao encontro das minhas raízes”, explica – que foi decisivo.
Em 1999, concluiu a licenciatura em Ciências da Linguagem e do Conhecimento na Universidade de Lyon, com média de 17,8 valores. Em 2006, acrescentou outro curso ao currículo: Direito, em Coimbra, feito à distância. “Sempre foi uma paixão que tive.”
Da licenciatura passou ao doutoramento e ao pós-doutoramento no laboratório Modelos Matemáticos, Neuropsicológicos e Informáticos. Cérebro, linguagem e perceção, do Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS). É aí que continua a investigar e a relacionar todos os conhecimentos que sempre lhe interessaram: das ciências exatas, área em que fez todo o ensino secundário, à linguística. E é com o mesmo à vontade que fala de algoritmos e programação como de metáforas e semântica. “As línguas têm muito de lógica”, assegura.
A criação de um software de deteção automática de metáforas para a língua francesa e portuguesa e de um “Atlas Semântico” são dois dos projetos que lançou e em que continua envolvida. “O objetivo é criar um mapa conceptual que é mais rico do que um simples dicionário de sinónimos. É como um mapa que se visualiza e que tem várias constelações: no meio de cada uma está um termo. E a partir dele vemos os diferentes traços conceptuais que lhe estão associados. Já concluímos que em determinadas áreas do saber, o português é muito mais rico conceptualmente do que o francês”, explica a até agora diretora da Faculdade de Langues Etrangères Appliquées, da Universidade Sorbonne Nouvelle. Foi eleita para o cargo em 2011, com 97% dos votos: “Venceu a latinidade contra a outra lista que era constituída pelos colegas mais anglicistas”, afirma com orgulho.
Contra o “imperialismo” soft do inglês
Agora à frente da Sorbonne como vice-reitora, a projeção torna-se maior – a direção é ouvida de forma regular pelos governos na definição das políticas de educação e investigação – e os desafios ganham dimensão. Logo à partida porque vai ficar a coordenar o projeto “Paris Sorbonne Cité”, que junta numa superstrutura oito das mais prestigiadas universidades e cinco centros de investigação daquela região, num total de 120 mil alunos e um orçamento para 2016 de €7,7 milhões.
O objetivo é assumido por todos: ganhar dimensão e saltar para o topo dos rankings internacionais, em particular o de Xangai, que são dominados por instituições norte-americanas e inglesas, com as asiáticas ainda à distância, mas a subirem.
“Já sabemos que só por via do critério do número de alunos vamos ficar em 43º lugar nesse ranking. E se duplicarmos ultrapassamos Harvard. Claro que todos estes critérios são questionáveis. As ciências sociais e as humanidades nem sequer são tidas em conta nesse famoso ranking, deixando as faculdades de Sorbonne de fora. Ao apresentarmo-nos em conjunto ganhamos projeção”, explica Isabelle Oliveira.
Mas o que Sorbonne está disposta a fazer para entrar neste campeonato cada vez mais competitivo tem limites, salvaguarda a professora. A qualidade é para reforçar e o francês como língua de ensino e de investigação para manter, mesmo que isso custe à universidade perder pontos no critério da publicação em revistas científicas.
“Já nem digo que promover o francês é o nosso objetivo número um, mas pelo menos a diversidade linguística e cultural e pôr um travão no globish” – uma forma simplificada de comunicar em inglês com recurso a um vocabulário de 1500 palavras. “Temos uma política de defesa da língua. Ensinamos em francês e publicamos em francês, sempre que possível. Pedimos imensa desculpa, mas não nos resignamos com o ‘imperialismo soft da língua inglesa.'”
A decisão é assumida, aliás, de forma nacional. Em França e ao contrário do resto do mundo, não há software mas logiciel e a web é a toile, já que os anglicismos não entram no vocabulário.
Fonte: http://expresso.sapo.pt/