Porto: Jovem agredida e alvo de insultos racistas por fiscal num autocarro da STCP

Uma jovem de 21 anos foi violentamente agredida por um segurança privado ao serviço da STCP na noite de São João. Depois de desacatos com passageiros à entrada para o autocarro, a jovem foi alvo de insultos racistas por parte do segurança e agredida a murro. Fiscal da 2045 foi suspenso.

Quando Nicol saiu do trabalho para ir festejar o São João ao Porto com os amigos, estava longe de imaginar que ia acabar com a cara nas pedras da calçada e com um segurança privado sentado em cima dela, depois de a agredir. A jovem colombiana de 21 anos foi agredida por um funcionário da empresa de segurança privada 2045, ao serviço da STCP, à entrada para o autocarro da linha 800, no Bolhão, na madrugada do dia 24 de junho.

As agressões começaram depois de um funcionário da 2045 ter alegadamente feito insultos racistas, após a jovem ter passado à frente de outros passageiros na entrada para o autocarro, por volta das 5:00 da manhã deste domingo, no Bolhão, Porto.

Depois de um passageiro reclamar da atitude da jovem, o funcionário da 2045 tentou retirar Nicol e uma das amigas à força de dentro do autocarro. A terceira rapariga do grupo, a única de pele branca, ficou dentro do veículo, impedida de sair por um outro fiscal da 2045, explica.

Habituada a comentários racistas por causa da cor da pele, Nicol diz estar ainda em choque pelas violentas agressões a que foi sujeita, depois de ter sido insultada pelo segurança, que assegurava a fiscalização da bilhética naquele autocarro.

As três amigas regressavam da noite de São João. Já cansadas, por volta das 5 da manhã, Nicol e duas amigas foram aos Aliados para apanhar o autocarro. O transporte, porém, não passou e depois de ponderar entre ir de metro ou ir apanhar um outro autocarro, decidiram ir até ao Bolhão, para apanhar o 800 da STCP. Nicol, mais cansada, apanhou o metropolitano até à paragem, enquanto as amigas seguiram a pé, conta a jovem de 21 anos ao SAPO24.

Reencontraram-se na rua do Bolhão. As amigas eram as primeiras na fila para entrar no autocarro. Nicol juntou-se a elas à conversa. Umas senhoras, atrás das três raparigas, chamam-na à atenção: “menina, você está a passar à frente, só chegou agora, que nós vimos”. “Tem toda a razão”, responde Nicol. “Se você quiser, eu volto para trás da fila”, diz a jovem.

A senhora, porém, desvaloriza: “ó menina, é São João, deixe estar, não faz mal nenhum”.

As portas abrem e as três amigas preparam-se para entrar no veículo. “Ouço um senhor dizer ‘mas você à minha frente não passa’ e a invadir o meu espaço”, conta Nicol. “Virei-me para trás e ele aproximou-se muito de mim, veio logo para cima de mim”. A jovem responde: “O senhor tenha calma, o senhor não precisa de falar assim, estas senhoras que estavam à sua frente deixaram-me passar”.

“Eu sei que o mais certo que devia ter feito era não ter dito nem ai nem ui, era: ‘olhe, tem razão’ e ir para o fim da fila. Mas os acontecimentos a seguir foram muito fortes para este desacato mínimo”, diz.

“O senhor não me fale assim”, continuou, virando costas ao outro passageiro. “Estou a entrar para o autocarro, estou a tirar o passe da minha bolsa, o segurança puxa-me e diz: ‘a menina vai ter de sair'”. “Só tinha este autocarro, que mesmo assim me deixa a 15/20 minutos de casa”, explica.

É aí que o segurança da 2045 “começa a ser muito agressivo”, conta a jovem. Ainda dentro do autocarro, o segurança começa a puxar Nicol para a pôr fora do veículo. As duas amigas tentam agarrá-la.

Num vídeo amador do incidente, a que o SAPO24 teve acesso, é possível ver um funcionário da empresa de segurança privada 2045 em cima das costas da jovem deitada no chão, já na rua. À volta, várias pessoas gritam, criticando a atuação do homem, mas não intervindo.

Depois de murros, a rapariga caiu no chão, tendo sido imobilizada pelo fiscal, que se sentou sobre ela. O funcionário terá depois chamado a polícia.

Nicol não consegue precisar quantos polícias acorreram ao local, confirmado pelo menos três agentes. Uma testemunha contou à jovem que havia uma forte presença policial, que, no entanto, ignorava o estado da rapariga.

“Só vi três polícias. Dois deles ficaram à beira do segurança, enquanto ele fumava um cigarro, como se estivesse na pausa dele; outro ficou à minha beira — sempre de capacete”, conta.

Depois de perguntar a este agente por que razão a ambulância ainda não tinha chegado, o polícia terá olhado a rapariga “de cima a baixo” e dito, “da forma mais arrogante e fria possível”: “olhe, menina, você está à espera da ambulância. Mas se estiver preocupada com as horas, pode ir embora”, conta a jovem ao SAPO24.

“Eu estava com a cara encharcada de sangue, os lábios inchados, o nariz inchado e o polícia diz-me isto: ‘pode ir para casa se quiser'”, acrescenta.

“Ainda estive algum tempo à espera da ambulância, mas [os três agentes] em algum momento me perguntaram o nome, não me identificaram, não me perguntaram o que tinha acontecido — e não tiraram o capacete”, diz.

A rapariga foi encaminhada ao hospital de Santo António para fazer exames.

Contactada pelo SAPO24, fonte oficial da STCP confirma “um incidente” no Bolhão por volta das 5 horas de dia 24 de junho e adianta que um elemento da transportadora portuense chamou a PSP ao local, tendo a polícia tomado conta da ocorrência.

A mesma fonte adianta que foi aberto um processo interno de averiguação, não comentando a atuação e presença do funcionário da 2045 naquele autocarro. O fiscal foi suspenso.

“É recorrente as operadoras de transportes contratarem as empresas de segurança privada”, diz a STCP. “A legislação que é aplicável a estas empresas prevê que os seus colaboradores possam exercer ações de fiscalização de títulos de transporte e identificarem e autuarem quem não tenha bilhete válido, desde que devidamente ajuramentados”.

A PSP confirma que “compareceu no local na madrugada referida e que foi efetuada denúncia do incidente” pela alegada vítima. Contactado pelo SAPO24, o Comando Metropolitano do Porto não adianta, porém, o número de envolvidos, bem como de agentes presentes no local, por essa ser “informação a reportar ao Tribunal”, diz em resposta por e-mail. O processo encontra-se agora na pendência judicial, explica.

Já esta quinta-feira, o SAPO24 enviou novas questões à PSP acerca do auto do incidente, todavia, o Núcleo de Relações Públicas do Comando Metropolitano do Porto limita-se a reafirmar que a “PSP foi ao local, após a refrega, e fez tudo o que havia a fazer dentro das suas competências”; que “todo o expediente está elaborado e foi enviado para a autoridade judiciária competente, única entidade a quem daremos esclarecimentos se necessitarem”.

Afirmando ainda que “não comentará uma questão que será discutida em sede judicial própria”.

Em resposta a cinco perguntas enviadas pelo SAPO24, Paula Pereira, do Departamento de Qualidade da 2045 S.A. diz apenas que a ocorrência foi comunicada à PSP, que esteve presente no local, e que “iniciou um processo de averiguações interno que está a decorrer”.

Acrescenta ainda que a “2045, S.A. tem cerca de 3.000 funcionários, entre vigilantes  e colaboradores da estrutura,  sendo que estão inseridos na equipa elementos de várias etnias sem qualquer tipo de descriminação de nacionalidade, religião, raça ou género”.

A empresa não respondeu às questões sobre o que motivou a retirada da jovem do autocarro, nem qual o estado de saúde em que ficou o funcionário da 2045 envolvido no incidente.

[Notícia atualizada às 20:05 de 28/06, com novas respostas da PSP]

Sapo24