Paulo de Carvalho: “vou ser sempre lembrado como o fulano do E Depois do Adeus do 25 de Abril”

Com 53 anos de carreira, Paulo de Carvalho dispensa apresentações. Há quem lhe chame “A Voz” ou “Sinatra português”, nomes que ele dispensa. Na noite de 9 de agosto, o intérprete da célebre canção “E depois do adeus”, alegrou a noite em Peso da Régua e cantou, a par com o público, temas como “Nini dos meus 15 anos”, “Os meninos do Huambo” e até alguns fados nossos conhecidos – “Lisboa menina e moça” e “Os Putos” foram dois deles. Estivemos à conversa com o cantor, que nos falou sobre a Revolução de Abril, os seus projetos futuros e a sua opinião acerca do panorama da música portuguesa.

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Qual é a sensação de ser o intérprete de uma das senhas da Revolução dos Cravos?

Eu já disse isto várias vezes, vou-me repetir, mas de qualquer forma eu não sabia, foi um acaso. Se estou na História – e acho que sim, pelo menos já se tem falado disso muitas vezes e normalmente até sou conhecido muito pelo “E depois do adeus”, de 24 para 25 de Abril lá estou eu a cantar o “E depois do adeus”, dá um bocado a sensação de que no que me diz respeito em termos artísticos não há vida para além dessa música, quando eu continuo a cantar, a fazer músicas e discos – eu não sabia. Portanto, por um lado honra-me muito, mas é um acaso, não contribuí para isso a não ser por ter cantado como cantei uma canção. Quem fez com que a canção servisse como primeira senha do 25 de Abril não me disse nada, fui apanhado de surpresa. De qualquer forma, costumo sempre dizer isto por uma questão de justiça, se há um cantor – ele e a obra – que devem ficar ligados ao 25 de Abril é o José Afonso, logicamente.

Quais são os seus projetos futuros?

É muito difícil ter projetos futuros em Portugal neste momento, seja em que campo for. Os meus é continuar a fazer música, não necessariamente discos porque os discos além de serem difíceis de gravar são mais difíceis ainda de vender, mas há outros meios de divulgação das músicas que fazemos. As redes sociais servem para isso e é por aí que eu penso que vou entrar, ando a aprender com a gente mais nova. Continuo a fazer música, hoje cantei aqui uma por exemplo, e os projetos são continuar nesta vida a fazer música, tentando ter capacidade para perceber quando é que não tenho mais capacidades para cantar como ainda estou a cantar, porque acho que estou a fazer bem o meu trabalho, portanto ainda consigo fazê-lo. Quando eu achar que estou cansado ou que estou farto, ou que não estou a render a mesma coisa, epá vou-me embora e não chateio mais ninguém.

Qual o papel que a música representa na sua vida?

Eu costumo dizer, meio a brincar, que é assim: há 53 anos que eu tenho trabalho, nunca tive emprego. O meu trabalho é a música. Por isso, à parte de servir para me “lavar” de muita coisa que me rodeia, é aquilo que eu gosto de fazer, portanto é um papel importantíssimo.

Sente-se afastado do panorama atual da música portuguesa?

Não, não sinto e vocês tiveram a oportunidade de ver se viram o espetáculo. O problema está na informação que é tão intensa hoje em dia, que acaba por desinformar, em meu entender. Por outro lado, acontece que há meios, para quem se quer servir deles ou para quem tem possibilidades de se servir deles – estou a falar da televisão, da rádio, dos jornais – em que as notícias são pagas e é por isso que o público conhece mais uns artistas do que outros. De um modo geral, o público conhece artistas que duram um ou dois anos, porque têm uma obra de nada, têm uma cantiga ou duas provavelmente até boas, não digo que não, mas são pouco para fazer um espetáculo ou para durarem, duram um ano ou dois e depois acabam. E cada ano há uma moda, há uns que estão na moda. Eu não tenho nada contra isso porque eu já comecei também, já estive um pouco nessa posição, o que me preocupa e aquilo por que eu luto é que, se for possível, todos nós tenhamos as mesmas oportunidades para mostrarmos o que estamos a fazer.

Que retrato traça da música nacional?

Eu sei que se faz muito boa música, mas lá está, será aquela que nós conhecemos, de um modo geral? Alguma é, felizmente, alguma nós vamos conhecendo. Faz-se muito boa música em Portugal, o problema tem a ver com a divulgação ou a falta de divulgação dessa música em partes iguais, igualmente para todos. Mas faz-se muito boa música em Portugal, de diversíssimos géneros, continua-se a fazer muito boa música popular portuguesa, a canção normal, rock, agora até o rap. Há muito boa música em Portugal – e projetos novos, atenção. Eu próprio fico muito admirado às vezes quando conheço alguém que já devia ter conhecido, porque não me deram a conhecer, a mim, ao público. É preciso entrar nesta onda, não sei como é que lhe hei de chamar, como é que se entra não sei, daí eu continuar a dizer – e não prolongo mais a resposta a esta vossa pergunta – que livrem-se os que estão a começar agora de pensar que o problema é um problema deles, ou seja, que estão a começar e precisam que lhes deem a mão – não é. O problema é nosso, dos mais velhos, e é deles também, é um problema de dificuldade de divulgação do trabalho que estamos a fazer. Portanto, é igual para os dois. Não pensem que nós, os mais velhos, temos a vida mais facilitada, porque não temos nada.

Quais são as suas influências musicais?

As minhas influências musicais são da música negra norte-americana. Depois fui aprendendo a ouvir música e hoje em dia posso dizer que 90% da música que eu ouço é instrumental e está muito naquela área da música étnica, mas com improvisação. Quando se fala em improvisação, muita gente chama-lhe jazz, mas eu não sei o que é o jazz. Enquanto que a música étnica que pode vir de África, daqui ao lado do flamenco, que vem da música portuguesa também tocada por alguns dos meus companheiros de profissão, mas que tenha improvisação, ou seja, que aí sim se pareça com aquilo que nós temos como ideia do jazz.

Como gostaria de ser relembrado?

Epá não estou nada preocupado com isso. Já percebi que para a falta de informação, para a falta de cultura das pessoas que também não a procuram – e falo concretamente do público – vou ser sempre lembrado como o fulano do “E depois do adeus” do 25 de Abril. Tive essa sorte, ou esse azar, isso agora deixo ao cuidado de cada um. Não estou preocupado com isso, estou preocupado, isso sim, em cada espetáculo que faço com os meus músicos, de quem gosto, que as coisas me saiam bem em cima do palco, especialmente para nós, porque se nos saírem bem as pessoas sentem que as coisas estão a correr bem. E pronto, a minha satisfação pessoal é cada vez o que mais me interessa – é um bocadinho egoísta aquilo que estou a dizer, mas pronto.

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Por Joana Veríssimo e Cátia Barbosa