Deputados vão criar nova entidade na órbita do Tribunal Constitucional. Ideia surgiu no Bloco de Esquerda
O Parlamento vai criar um organismo que funcionará como uma espécie de polícia dos rendimentos e interesses dos políticos e detentores de altos cargos públicos.
A iniciativa, que originalmente pertence ao Bloco de Esquerda, decorrerá no âmbito da comissão eventual para o reforço da transparência no exercício de funções públicas (CERTEFP). Segundo o DN apurou, há maioria (pelo menos à esquerda) para aprovar a proposta bloquista.
O novo organismo chamar-se-á Entidade da Transparência e terá a incumbência de receber e processar todas as declarações de rendimentos e interesses dos políticos (todos, do Presidente da República ao presidente da mais modesta junta de freguesia) e dos titulares de altos cargos públicos abrangidos pela lei.
Mas mais do que isso: a nova Entidade da Transparência – a ser criada na órbita do Tribunal Constitucional, com os seus três dirigentes nomeados pelos juízes por nomeação deste – terá também a incumbência de fiscalizar a veracidade das declarações entregues. E, no caso de serem detetadas irregularidades passíveis, designadamente, de levarem a uma perda de mandato, competirá à Entidade da Transparência acionar o organismo responsável que efetivará essa sanção (por exemplo, o Parlamento, se o prevaricador for um deputado).
Está ainda em preparação outra medida: reduzir a uma única declaração as obrigações de transparência nos rendimentos e nos interesses. Atualmente, os deputados e os membros do governo têm de preencher duas declarações: uma de rendimentos (entregue no Tribunal Constitucional) e outra com o seu registo de interesses (entregue no Parlamento). Todos os outros abrangidos pela lei só têm de preencher a declaração de rendimentos. A intenção é acabar com esta disparidade, pondo todos os visados a preencher uma única declaração. À Entidade da Transparência caberá gerir também como publicitará as declarações e que dados poderão ser públicos.
Segundo o Bloco, “esta entidade permitirá uma maior eficácia e resposta ao controlo de incompatibilidades e riqueza dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, até face à sua integral dedicação a esta matéria, ao contrário do que acontecia até aqui com as entidades competentes para o efeito, que possuem uma vasta gama de competências para além destas matérias”.
No preâmbulo do projeto bloquista lê-se que “o regime legal do exercício de funções, das declarações de interesses e do controlo de riqueza de titulares de cargos políticos encontra-se disperso em dois diplomas com mais de 20 anos de vigência, pese embora terem sofrido diversas alterações, e implica uma multiplicidade de declarações e entidades de fiscalização e funcionamento”.
Assim, “importa agora unificar esse regime jurídico, facilitando e simplificando a entrega e a gestão dessas declarações e, consequentemente, permitindo que com uma só consulta todos possam ter acesso integral à informação sobre quem intervém de forma relevante na coisa pública”.
Para o BE, “o exercício de funções políticas e altas funções públicas exige a maior transparência por parte de todos os seus intervenientes, que devem ser abertos a permitir uma real avaliação da sua atividade profissional, empresarial e financeira, quer durante o exercício de funções quer em período anterior e posterior ao exercício dos cargos que desempenham”. Nesse contexto, “urgia permitir aos cidadãos em geral o acesso a essa informação valiosa, o que permite também prevenir fenómenos menos desejáveis face à opacidade de muitos dos interesses privados na atividade pública”. Ou seja: “O controlo público dos interesses e da riqueza dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos constitui um instrumento precioso para a compreensão quer dos agentes políticos, quer dos agentes da justiça, quer dos cidadãos em geral de quem são os seus representantes e de quais os seus interesses e atividades.”
Está previsto, igualmente, que os procuradores do MP e os magistrados judiciais passem a ser obrigados a preencher esta declaração de rendimentos e interesses. Por uma questão de separação de poderes – os juízes são independentes face ao poder político e os procuradores autónomos -, as declarações serão entregues não na Entidade da Transparência mas sim nos respetivos conselhos superiores.
PSD atrasa comissão
A comissão parlamentar para o reforço da transparência vai retomar as reuniões a 3 de abril, apresentando um pedido de prorrogação dos trabalhos até ao final da sessão legislativa (próximo verão)
A informação foi avançada à Lusa pelo novo presidente da comissão, Luís Marques Guedes (PSD), que substituiu Fernando Negrão, agora líder parlamentar da bancada laranja.
Em 25 de Janeiro, o PSD pediu a suspensão dos trabalhos da comissão – que nasceu por iniciativa do PS – devido à situação interna do partido, então com uma liderança em trânsito de Pedro Passos Coelho para Rui Rio. Até agora o PSD ainda não apresentou nenhuma nova proposta que decorresse das perspetivas pessoais do novo líder.
DN – João Pedro Henriques