“Há cerca de duas semanas, já depois da noite cair, chegava a casa e chamaram-me a atenção para algo que brilhava no terreno vizinho. Para meu espanto, tratava-se de um pirilampo: só um, a voar à procura de companhia. Decidi, portanto, que o artigo deste mês seria sobre os pirilampos, aqueles insectos que brilham durante as noites mais quentes e que, infelizmente, estão a desaparecer.
Os pirilampos, também conhecidos como vaga-lumes, pertencem à família Lampyridae que significa lanterna. Existem 2000 espécies de pirilampos no mundo, sendo que 65 se encontram na Europa e 10 em Portugal.
O seu desenvolvimento é parecido com o da borboleta, ocorrendo também uma metamorfose. O pirilampo, na sua fase de larva, acumula reservas energéticas para se desenvolver e esta fase dura a maior parte da sua vida, cerca de um a três anos, dependendo da espécie. Até aqui, terão passado por várias mudas onde deixam a sua “carapaça” (exoesqueleto) de tamanho já pequeno para “vestirem” uma carapaça maior. As larvas, apesar de pequenas, alimentam-se de caracóis e lesmas, presas muito maiores do que elas, mas que conseguem imobilizar através da inoculação de um veneno paralisante, tal como fazem as aranhas. Depois desta fase, as larvas transformam-se em pupa. Esta é a fase da vida do pirilampo em que se dá a transformação em adulto, com um corpo segmentado em cabeça, tórax e abdómen, três pares de patas e um par de antenas. Tal como as joaninhas, os pirilampos possuem dois pares de asas: um par exterior, rígido, que serve de protecção e, outro, interior e muito frágil, que lhes permite voar. Apesar de parecidos, apresentando um corpo castanho escuro ou preto e segmentos esverdeados, há diferenças entre as fêmeas pirilampos e os machos pirilampos. As fêmeas são, geralmente, maiores, mas possuem olhos mais pequenos e apenas um segmento que se pode iluminar. Em muitas espécies, as fêmeas não possuem asas.
Pode parecer estranho, mas muitos dos pirilampos adultos não se alimentam, não crescem e morrem uma a duas semanas depois de se reproduzir. No entanto, algumas espécies alimentam-se de pólen ou néctar das flores.
É no início do tempo quente, principalmente no fim da Primavera – início do Verão, que se começam a ver os pirilampos a voar. As fêmeas ficam junto ao solo, subindo a ervas ou ramos para luzir. Os machos, esses sim, voam, dando espectáculos de luzes em campos vastos.
Mas de onde vem essa luz? A bioluminescência é um fenómeno que se traduz pela emissão de luz visível aos nossos olhos, por parte de um organismo vivo. Existem vários seres, para além do pirilampo, que são bioluminescentes, ou seja, que emitem luz. É o caso de algumas algas unicelulares, cogumelos e peixes marinhos. Este fenómeno acontece devido a várias reacções químicas mas, de uma forma bem resumida, processa-se assim: uma substância chamada luciferina ao combinar-se com o oxigénio, na presença de uma enzima, a luciferase, fica oxidade e emite luz. Incrivelmente, esta reacção cria 90% de energia sob a forma de luz e somente 10% em forma de calor. Esta luz, no caso dos pirilampos, serve para defesa contra predadores, sinal de perturbação e também é emitida durante o acasalamento. A fêmea faz um pulsar de luz próprio da sua espécie, ao qual o macho responde, aproximando-se e cheirando-a. Esta deixa de luzir após ter acasalado. Há espécies que comunicam ao crepúsculo, outras durante a noite escura. E existem pirilampos que nem sequer emitem luz! E porquê? Porque acasalam durante o dia.
Os pirilampos são, como todos os seres vivos, importantíssimos para manter um ecossistema saudável e em equilíbrio. Algumas espécies são polinizadoras; as larvas são controladoras de pragas, alimentando-se de caracóis, lesmas, minhocas e afídeos; são alimento para outras espécies e até representam um papel importante na detecção de bactérias em alimentos e no rastreio do desenvolvimento de células cancerígenas, através da sua bioluminescência. Mas as populações de pirilampos têm vindo a decrescer.
Uma equipa de biólogos da Universidade de Tufts, em Massachusetts, Estados Unidos da América, com a participação da União Internacional para a Conservação da Natureza, publicou um estudo na revista Bioscience, que compila as ameaças à existência de pirilampos. São várias as causas para o declínio das espécies de pirilampos e entre elas estão a poluição luminosa, química e a perda de habitat. O excesso de luz artificial dificulta a comunicação entre os pirilampos e a sua reprodução. A luz natural dos pirilampos não consegue competir com a luz emitida pelas lâmpadas criadas pelo ser humano. Depois temos os pesticidas que matam caracóis e lesmas, as presas dos quais os pirilampos se alimentam, e a destruição dos campos e ribeiras onde vivem. A diminuição de pântanos, mangais, parques, florestas, campos agrícolas e pastagens é um factor para o seu desaparecimento.
Então o que podemos fazer para ajudar a conservar esta lanterna nocturna e assistir a espectáculos naturais durante o Verão?
Bem, podemos desligar as luzes exteriores das nossas casas e fechar os estores para que haja o mínimo de luz no exterior. Podemos criar pequenos lagos nos nossos jardins ou quintais e permitir a acumulação de algumas folhas para que as larvas tenham oportunidade de crescer. E sobretudo, podemos deixar de usar pesticidas.
A conservação das espécies está nas nossas mãos, não só dos profissionais da área, mas de todos nós. O poder de um biólogo não é nada comparado com o poder de milhões de pessoas que se preocupam com a natureza. Juntos, faremos a diferença. Vamos ver pirilampos este Verão?
Nota: Para os mais curiosos, ficam aqui as 10 espécies conhecidas de pirilampos em Portugal: Lampyris iberica (pirilampo-ibérico), Lampyris noctiluca (pirilampo-comum), Lampyris raymondi, Nyctophila reichii, Pelania mauritanica, Lamprohiza mulsantii (pirilampo-pequeno-de-lunetas), Lamprohiza paulinoi (pirilampo-grande-de-lunetas), Phosphaenopterus metzneri, Phosphaenus hemipterus (pirilampo-preto) e Luciola lusitanica (Pirilampo-lusitânico).
Joana Lima, CianMira”