Hoje assistimos a um aumento da esperança média de vida, para a qual têm contribuído as melhorias das condições de higiene e dos cuidados de saúde prestados no último século. Consequentemente, assiste-se ao envelhecimento da população, que se associa a um acréscimo da prevalência das doenças crónicas, o que representa neste momento um problema transversal aos sistemas de saúde do mundo ocidental, conduzindo a uma sobrelotação dos serviços de urgência e à solicitação crescente do número de camas hospitalares.
Como resposta, têm-se desenvolvido diversas alternativas ao internamento convencional. Para os especialistas em Medicina Interna, a solução passa pela hospitalização domiciliária, uma opção de qualidade, segura, eficaz e de custo-efetivo.
Este conceito surgiu pela primeira vez em 1947, nos Estados Unidos da América, com a experiência “Home Care”, que visava descongestionar os hospitais, assim como criar um ambiente psicológico mais favorável para o doente. Já a primeira unidade a operar neste âmbito chegou à Europa apenas em 1957, a um hospital francês, sendo que no ano de 1996, o Comité Regional da Europa da Organização Mundial da Saúde (OMS) promoveu o desenvolvimento do “Hospital para Cuidados de Saúde”, também conhecido como “hospital em casa”, seguindo o modelo americano.
A hospitalização domiciliária define-se assim como um modelo de assistência hospitalar direcionado para a prestação de cuidados no domicílio a doentes agudos, cujas condições biológicas, psicológicas e sociais o permitam. O seu público-alvo centra-se numa população maioritariamente idosa, com elevada prevalência de doenças crónicas e com diversas patologias.
Focadas no tratamento agudo de um conjunto variado de doenças, como a Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica, Insuficiência Cardíaca Crónica, Pneumonia, infeções adquiridas na comunidade ou hospitalar, etc., as Unidades de Hospitalização Domiciliário (UHD) assentam em cinco princípios fundamentais: voluntariedade na aceitação do modelo, igualdade de direitos e deveres do doente, equivalência de qualidade na prestação dos cuidados, rigor na admissão de doentes e no seu seguimento clínico, humanização de serviços e valorização do papel da família.
Perante uma realidade onde se insere o doente complexo, com múltiplas doenças, o médico que lidera uma UHD deverá ter uma formação generalista e uma visão holística do doente, pelo que os especialistas em Medicina Interna se afiguram com o perfil recomendado.
Atualmente a hospitalização domiciliária detém dois modelos possíveis que podem ser adotados em separados: um que substitui completamente a admissão de doentes, referenciando os doentes diretamente do serviço de urgência e/ou comunidade; e outro que facilita a redução da estadia hospitalar e recruta os doentes nas enfermarias após um período de estabilização clínica inicial. Contudo, é frequente a adoção de um modelo misto, dependente das necessidades do hospital.
Ainda assim, os candidatos com potencial para serem internados no domicílio são geralmente detetados nas urgências. Após esta identificação, é necessário haver um diagnóstico definido, a sua estabilidade clínica, bem como a possibilidade de controlar as co-morbilidades no domicílio. Após esta referenciação, o doente é submetido a uma avaliação em três eixos: médico, enfermeiro e assistente social (este último avalia as condições da casa onde o doente ficará).
Os resultados alcançados com este modelo são atualmente bastante positivos. Não só garantem a satisfação do utente, como na grande maioria dos casos apresenta estabilidade após a avaliação subsequente, sem necessidade de reinternamento hospitalar.
Procura-se assim contribuir para serviços hospitalares sem muros, garantir mais e melhores acessos aos cuidados de saúde, reduzir as complicações inerentes ao internamento convencional (como as quedas, as infeções nosocomiais e os quadros confusionais agudos), criar um entorno psicológico mais favorável ao doente, durante o período de tratamento, e valorizar o papel da família/cuidador, prevenindo a rejeição, o abandono e a institucionalização.
Artigo de Opinião de Francisca Delerue, Internista e Membro da SPMI