Este é o segundo texto de uma série de temáticas que apresentei no artigo do passado mês. Hoje, escrevo sobre o estado da Habitação em Cantanhede e a sustentabilidade associada a uma boa governança nesta temática. No passado texto, introduzi a temática da sustentabilidade e, por isso, não irei repetir o que está por detrás deste conceito, deixando apenas uma breve definição:
Podemos definir a mesma como o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades.
Caso o leitor tenha curiosidade em saber quais as minhas palavras acerca da sustentabilidade geral e associada ao comércio, basta dar uma vista de olhos no texto anterior.
Sem mais demoras, vamos então abordar a temática da Habitação.
Uma vez mais, organizarei o meu discurso falando, em primeiro lugar, de quais as posturas de gestão e de intervenção que uma autarquia, de modo geral, poderá tomar para que a habitação se desenvolva e se mantenha de forma sustentável. De seguida, abordarei também o papel do investidor e do setor imobiliário, pois estes têm um papel preponderante, quer na intervenção direta no mercado, quer na comunicação com as autarquias. Finalmente, irei abordar o estado atual da habitação em Cantanhede, seus diversos tipos e como intervir para que caminhemos no sentido das boas práticas e da prosperidade.
A Responsabilidade das autarquias
A grande responsabilidade das autarquias nesta temática e, praticamente em qualquer outra, é geral valor e proporcionar condições para que as coisas aconteçam. Julgo ser importante as autarquias darem espaço ao mercado de intervir, mas é sua responsabilidade criar os mecanismos e agilizar os procedimentos para que tal ocorra. Não deixo de apontar, que para uma expansão urbana planeada e sustentável acontecer, é necessário um pensamento e planeamento integrados das várias vertentes que se influenciam entre si, tais como: mobilidade, saúde, emprego, habitação, segurança, etc. e que por isso é inegavelmente necessário ter sempre em conta todas estas temáticas quando se tomam decisões estruturantes. Como sabemos, a forma ou o conforto como nos deslocamos para o trabalho é essencial na escolha do nosso local de habitação. A localização das escolas e a forma como os nossos filhos podem se deslocar para as mesmas é importante na decisão de uma família se fixar em determinada cidade ou aldeia. Entre muitos outros fatores que levam as pessoas a escolher o sítio onde vivem. Por estas razões, se torna tão importante o pensamento integrado de todos estes conceitos.
Mas de que forma podem as autarquias criar condições para que o mercado se mexa e contribua para um crescimento sustentável? De que forma podem as autarquias gerar valor? Uma das respostas mais simples e de maior responsabilidade interventiva das autarquias é o foco no espaço público. É no espaço público que a autarquia tem a liberdade de atuar e incentivar o setor privado para que as coisas aconteçam. Um espaço público confortável, funcional (em todos os seus aspetos) e apelativo, é meio caminho andando para gerar valor e por isso interesse de investimento por parte do mercado. Outra das respostas será menos visível ao cidadão, mas fortemente apoiada por quem investe: o quadro legal. Os municípios precisam de regras, governança e legislação para revelar os benefícios da urbanização. Mas esta deve ser ágil e construtiva. Se não houver equilíbrio, se este planeamento for inadequado ou inexistente e se as suas regras e regulamentos não funcionarem devidamente, os municípios tornam-se incapazes de integrar financiamento municipal, planeamento e quadro legal de maneira a conseguirem uma urbanização sustentável. O quadro legal determina as regras do jogo. Construir espaços de alojamento é uma coisa, mas as habitações de uso misto e a expansão urbana, por sua vez, requerem ações coordenadas e regulamentos reconhecidos e aceites por todas as partes. Deve por isso, este conjunto de regulamentos incentivar e procurar o desenvolvimento dos municípios. A cidade sustentável só o poderá ser pela força da rutura com um paradigma de sociedade que confunde desenvolvimento com crescimento.
Isto só acontece, se as autarquias adotarem uma postura integrada e participativa quando procuram geral valor. É importante que, para que isto aconteça, as autarquias envolvam e desbloqueiem o setor privado. Isto poderá acontecer através da presença de planos diretores abrangentes, inovadores, com espaço público de alta qualidade e conectividade local. Tudo isto só se consegue com altos níveis de participação pública e diálogo entre agentes públicos e privados.
Vivemos na era da consciência ambiental e da reabilitação do património. Ambos princípios de alto valor. Como tal, deve a autarquia procurar alcançar níveis de intervenção ambiental altíssimos, assim como incentivar a reabilitação do espaço edificado. Isto só acontece se se incentivar os agentes investidores através de políticas de intervenção e regulamentação que procurem assegurar estes princípios. Os benefícios fiscais aplicados a quem procura estes princípios, bem como a desmotivação e desinvestimento em quem não os procura, são apenas uma das estratégias que contribuem para um desenvolvimento sustentável, sempre aliado a um bom planeamento.
O Papel do investidor
Embora o título sugira que existe uma forte responsabilidade do investidor no desenvolvimento da habitação, isto não será completamente verdade. Isto porque, uma vez mais, cabe à autarquia perceber as tendências do mercado e geri-las de forma a ser a autarquia a antever os ciclos de investimento e de alterações demográficas e não andar a reboque das mesmas. Isto só acontece, se as autarquias andarem de “mãos dadas” com quem tem possibilidade de investir e atuar. As autarquias têm o dever de conhecer o que se passa no mercado e o que é que o mesmo pede. Quais as exigências? Quais as tendências demográficas para os próximos 20 anos, quem aluga ou quem compra? Que tipo de cidadão se desloca a pé e que tipologia procura? Temos espaços urbanos para eles? Por outro lado, que tipo de cidadão prefere a calmaria do meio rural, como se desloca e que habitações procura? Estas questões são respondidas pelo setor privado. Não devem as autarquias tentar adivinhar estas respostas, mas sim, obtê-las através de uma estrita relação com quem atua no mercado. Todos sairão a ganhar: as autarquias porque a longo prazo aumentarão a sua conectividade e atratividade, e por isso a sustentabilidade financeira e demográfica; e o setor privado porque ganha conforto de investimento e por isso, dividendos.
A habitação em Cantanhede
Finalmente chegamos à parte que interessa: Cantanhede. Entristece-me ver que todo este conhecimento e saber fazer gestão autárquica e governança esteja tão disponível a quem legisla e decide, e que mesmo assim, se veja tanta resistência em saber fazer. A história da boa intervenção e das boas e más decisões está mais que contada, Cantanhede já teve várias oportunidades de aprender com o seu próprio passado e, fundamentalmente, com o dos outros. Olhar para o parque edificado de Cantanhede, um pouco por todo o município é desolador. A cidade de Cantanhede está repleta de edifícios devolutos que choram por uma intervenção. Nos meios mais pequenos, várias habitações tão características encontram-se em estado de ruína ou mau estado de conservação. E isto a acontecer enquanto grande parte do país, sobretudo no litoral, se encontra vibrante e em desenvolvimento. Identifico três grandes falhas que poderão ter levado a que isto tenha acontecido. A falta de planeamento integrado, a falta de quadro legal e a falta de participação. Engraçado que estas três falhas foram abordadas anteriormente como as bases para uma boa intervenção e criação de valor. Passo a explicar:
A falta de planeamento integrado e Quadro Legal:
Esta é uma das principais falhas que aponto na gestão do parque habitacional de Cantanhede. O uso residencial tem de estar intrinsecamente relacionado com as atividades económicas e com os polos geradores de emprego. Ora, uma das provas que temos da ineficiência da autarquia relativamente a esta questão é o facto de a autarquia no passado ter adotado, e bem, uma postura de incentivo à criação de emprego e instalação de empresas no município, sem ter previsto a procura residencial que se vive hoje e por isso ter criado mecanismos de investimento à habitação. Hoje, o município de Cantanhede carece de alojamentos devido ao grande desenvolvimento industrial que tem ocorrido nos últimos anos e que, felizmente continuará a ocorrer. Penso que esteja na altura de criar Quadro Legal que suporte este desenvolvimento de forma sustentável, sem megalomanias e que contribua para o equilíbrio emprego/alojamento. Cantanhede que ponha os olhos em tantos municípios por esse país fora, de diferentes escalas e orçamentos, que positivamente agarraram a oportunidade da reabilitação urbana. Amadora, Lisboa, Porto, Matosinhos, Covilhã, Murtosa, Águeda, Anadia e Silves são apenas alguns dos bons exemplos de Quadro Legal que estão por este país.
A falta de participação:
Esta falha, acaba inevitavelmente por ter contribuído para as anteriores. Se Cantanhede se tivesse preocupado em se informar sobre o que poderia vir a acontecer se adotassem determinada postura de criação de emprego, em relação ao parque habitacional, hoje, teríamos certamente uma cidade em profundo desenvolvimento (e não apenas crescimento).
Em suma, julgo que é aparente a degradação do parque edificado de Cantanhede e do número de alojamentos ajustado à procura que se vive hoje. O espaço público, não se encontra competitivo, embora já o tenha sido durante muito tempo, mas as necessidades mudam e os restantes meios atualizam-se. Há 15 anos atrás, Cantanhede estaria com um rácio de qualidade de espaço público superior ao de hoje, pois não se atualizou. A conectividade local de Cantanhede é insuficiente. O planeamento sustentável não existe, pois continuamos a “ir construindo” e vez de planearmos. Continuamos a reboque de determinadas decisões empíricas e espontâneas sem que haja um planeamento sustentável acima dos valores e interesses menos globais. Em planeamento, discute-se à escala da geração (cerca de 25 anos), não apenas o “amanhã”. Será importante começar-se a olhar estrategicamente para o futuro de Cantanhede, sendo Cantanhede o principal objetivo e as suas gerações futuras. Só existirá sustentabilidade se as gerações futuras não tiverem comprometida, a sua capacidade de satisfazerem as suas próprias necessidades.