“Foi em 1994 que John Condry e Karl Popper escreveram o livro – “Televisão: um perigo para a democracia”. Nele, estes autores alertavam para os perigos que advinham da demasiada liberdade dada à televisão e aos conteúdos que eram produzidos para este meio. Propunham que se criasse uma associação – como uma ordem – que tivesse a capacidade de regular este meio e as produtoras responsáveis pelos conteúdos emitidos. Consideravam que era essencial que, um pouco como ocorre com os jornalistas, os trabalhadores e os produtores televisivos deviam seguir um código ético e deontológico que fosse criado especificamente para este meio. Diziam: “numa democracia não deveria existir nenhum poder político incontrolado. Ora, a televisão tornou-se hoje em dia um poder colossal” (ibid., 1994).
Quantas vezes é que nós, enquanto consumidores, já sentimos que a televisão, atualmente, está a uma linha ténue de ultrapassar tudo o que é aceitável? Veja-se, por exemplo, a informação cada vez mais provida de factualidade e de valor jornalístico e munida com um enquadramento sensacionalista. Hoje, não interessa informar. O que se impõe é entreter. Já em 1994, Popper e Condry consideravam que uma democracia verdadeiramente funcional não poderia sobreviver se o poder incomensurável da TV não fosse devidamente esclarecido. Na minha opinião, o mesmo se aplica hoje à Internet e ao “jornalismo” participativo que atualmente domina as redes sociais. Por isso, a escolha deste título para este texto.
No que concerne à evolução do jornalismo poder-se-á dizer que é um lugar-comum considerar que este evoluiu à medida que os meios digitais também evoluíram. Aliás, o impacto que a Internet e as redes sociais tiveram sobre os meios de comunicação foi tremendo e galopante. Em menos de duas décadas, aos meios de massa tradicionais (rádio, televisão e imprensa), acrescentou-se outra massificação mediática – a comunicação mediada digitalmente.
Ao olhar para a evolução do jornalismo na Internet, pode ver-se que existem três modalidades de jornalismo – a versão 1.0 que são os meios de massa tradicionais (de um para muitos) que passaram a estar disponíveis também na web; a 2.0 – que é já conteúdos produzidos especificamente para a Internet e a modalidade 3.0 em há um processo de socialização inerente à distribuição mediática (Santos, 2018). É neste contexto que se incluem os agregadores de notícias.
Estas plataformas, que, no fundo, são modelos de negócio adaptados à forma como a Internet funciona, pretendem obter o “engagement” (compromisso de consumo regular) da sua audiência (Santos, 2016). Para isso, impõem inúmeras estratégias de divulgação de conteúdos publicados – sobre os quais praticam uma função de curadoria. No entanto, como a produção própria é diminuta e como o que fazem é replicar notícias de outros meios de comunicação, pode dizer-se que estes espaços agem como processadores gratuitos de notícias. Isto é têm, ou deviam ter, a função de ampliar algo já publicado respeitando não só o assunto, mas principalmente o enquadramento que é dado na notícia original. Porém, nem sempre isto acontece.
De acordo com a legislação vigente, é importante sublinhar que estes espaços – que existem em motores de busca (Sapo, MSN, IOL, Google etc.), páginas da Internet e em redes sociais (como o Facebook etc.), não são meios de comunicação. Isto é – não têm a obrigação, legalmente imposta, de pautar à sua prática através dos códigos éticos e deontológicos que norteiam a prática profissional dos média. A missão que estes espaços têm, ou deviam ter, é alertar para um determinado assunto e para os interesses que os seus utilizadores apresentaram – pois, são espaços personalizáveis. Na essência, deviam funcionar quase como uma agência de comunicação exercendo uma ação – semelhante ao “clipping” afamado pela imprensa escrita – de determinados assuntos. Por exemplo, nos agregadores de notícias que compõem a ecologia mediática local, normalmente os assuntos replicados ou produzidos estão relacionados com a região.
Porém, neste mundo, em que a falta de uma educação para os média é uma evidência, existem inúmeros perigos. Para além do fato de quem gere estes espaços serem normalmente curiosos – isto é, não são jornalistas – logo, não têm uma formação adequada para o exercício de algo que pode ser confundido com jornalismo, existe ainda a possibilidade da falta de isenção no tratamento de um assunto. Isto poderá resultar no enviesar da opinião pública e da omissão parcial ou total da verdade acerca de um determinado assunto. Deste modo, poder-se-á impor uma visão limitada acerca de um determinado assunto e da presença de todos os perigos que isto acarreta para o público. Poder-se-á ainda dar o caso, por exemplo, devido à uma necessidade de sobrevivência, dos responsáveis destes espaços evitarem abordar determinados assuntos ou destacar, por exemplo, outros em detrimento da replicação de propostas semelhantes.
Pior, num momento em que a era digital da Internet se transformou num meio de massas que convergiu outros meios de massa (TV, Rádio e Imprensa), assiste-se à ilusão de uma diversidade de conteúdos e multiplicidade de abordagens que na sua essência advém de um número muito restrito de fontes sérias e de abordagens que podem facilmente ser manietadas de modo a cumprir com intenções que, na sua essência, podem não estar relacionadas com a prática de uma ação jornalística ou com o exercício sério do mesmo.
O perigo é, portanto, real…
Luís Miguel Pato
Profissional e Docente em Comunicação”