Há já muitos anos que trabalho em meios de comunicação – nomeadamente, televisão. Recordo que, quando comecei na já extinta TV Saúde de Coimbra (canal monotemático sobre saúde transmitido na TV Cabo), que o processo de produção de televisão era caríssimo. Os equipamentos técnicos, que eram ainda analógicos, eram pesados. O processo editorial linear (máquina – a – máquina) era demorado. No entanto, a maior dificuldade era a possibilidade de difundir. Porém, apesar disto tudo, o prazer de ser possível produzir TV fora dos grandes centros (Lisboa e Porto) suplantava estas dificuldades. Era uma produtora local a descentralizar um processo que até aí tinha sido quase exclusivo dos grandes centros urbanos nacionais (Lisboa, Porto).
Até então, haviam alguns exemplos – como os canais locais, quase bairristas – NTV (Porto), CNL (Lisboa) e alguns projetos de universidades e de outras instituições de ensino superior que produziam conteúdos para a Internet. Sendo, que a maioria destes conteúdos eram de natureza pedagógica. No entanto, mesmo assim, também contribuíam para o alargar da geografia da ecologia mediática da TV em Portugal.
Com a imposição da revolução digital, assistiu-se à desfragmentação desta realidade. Os equipamentos reduziram o seu tamanho e ficaram mais potentes. A democratização digital, imposta pela Internet, fez com que o processo de emissão ficasse mais acessível. E a possibilidade de cada um de nós ser simultaneamente produtor e emissor de conteúdos mediáticos é agora uma realidade. Trata-se da imposição de uma cultura participativa que é quase epidérmica na nossa sociedade.
Hoje, fazemos parte de paradigma social que hoje se descreve como sendo a: sociedade dos ecrãs. Trata-se de um mundo imersivo; é uma existência em que o “lúdico” e o “sério” convergem e divergem. É vida vivida nos ecrãs e com os ecrãs. É e através da sua omnipresença que uma parte considerável da nossa vida atual se organiza.
Ao olhar para o meio televisivo atual, pode ver-se que este meio é um suporte para a transmissão de conteúdos culturais identitários de uma determinada localidade. Acerca deste propósito, pode ver-se, por exemplo, o serviço público de televisão (RTP) – onde há a obrigação de manter independência, assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de ideias. Só assim, é possível cumprir com o desiderato para o qual foi criado – manter uma esfera pública saudável. Com o apogeu da Internet, a plataforma é um suporte global e nunca como hoje houve tanta disponibilidade de meios expressivos digitais (registo, edição e emissão) – este é um dos pontos basilares do teorema “media life”, cunhado por Mark Deuze.
Com tal disposição, pode ver-se que a cultura participativa é uma realidade. Existem projetos de televisão para a Internet com uma periodicidade diária. Aliás, até as promoções expostas nos ecrãs das farmácias são “TV”. Isto leva à pergunta: o que é hoje TV? Mas isso, é uma outra discussão. O que importa neste momento, é que o alcance global da plataforma permitiu a “glocalidade” – isto é, quando o que é produzido e emitido “localmente” tem a capacidade de assumir proporções globais (Castells, 2009).
Há dias, tive prazer de assistir a um programa produzido em Cantanhede chamado – “A Vida na Toca” (https://www.facebook.com/
É um género televisivo de entretenimento; uma rúbrica quase informativa em que um grupo de personalidades, conduzidas por um entrevistador, abordam vários tipos assuntos. Normalmente, é uma conversa acerca de temas relacionados com os convidados e com a agenda dominante. A sua abordagem é leve, às vezes quase lúdica. O único formalismo deste programa poderá estar no guião com perguntas para o entrevistador fazer aos seus convidados. O resto, é uma conversa resultante de um processo de produção…
Depois dos meios impressos locais, a quem presto a minha sincera e grata homenagem, é com grande agrado que assisto à produção de um programa televisivo, com qualidade feito em Cantanhede, por gente de Cantanhede e também acerca de pessoas de Cantanhede.
Parabéns a toda a equipa de produção do “A Vida Na Toca”.
Luís Miguel Pato – Profissional e docente em Ciências da Comunicação