“Foi a 27 de janeiro de 1945, que o campo de concentração de “Auschwitz/Birkenau” foi libertado pelos exércitos da ex-União Soviética. Foi nesse momento que o mundo assistiu incrédulo à barbárie cometida pelos nazis contra 6 milhões de inocentes. Este espaço era o maior de uma rede de campos de concentração construídos pela Europa – principalmente na Alemanha e na Polónia. Destes, para além Auschwitz, destacam-se ainda: “Mauthausen”, “Bergen-Belsen” (onde pereceu Anne Frank), “Treblinka”, “Sobibor” e “Buchenwald”.
Estes espaços tinham como missão impor o que Hitler, Himmler, Heydrich, Eichmann, Göring etc. chamaram a “Solução Final”. Tratava-se de uma massiva que colocava em prática a intenção de exterminar todos os judeus europeus. No entanto, para além destes inocentes, também ciganos, deficientes mentais e físicos, homossexuais, as testemunhas de Jeová, oposição política (comunistas e socialistas), eslavos e russos, seriam vítimas deste regime odioso.
Este genocídio foi arbitrário e fundamentou-se numa retórica gizada por um nacionalismo doentio e a imposição de uma pureza de raça inexistente. Convirá recordar que Adolf Hitler – o seu promotor – nem sequer era alemão. Era um estudante de arte austríaco frustrado que, através de uma estratégia de propaganda eficaz – gizada por Joseph Goebbels (ministro da propaganda do regime nazi) e, em parte, pela documentarista Leni Riefenstahl (realizadora dos filmes – “Triunfo da Vontade” – 1935 e “Olympia” – 1938) criou uma imagem; isto é, um simulacro de um ideário que varreu um país que fora, há poucos anos, disseminado pela primeira guerra mundial, a última grande pandemia – a “Gripe Espanhola” e as crises económicas e sociais que lhe seguiram.
Os paralelismos com a modernidade são assustadores… mas há mais.
Após a rendição da Alemanha no final da Primeira Guerra Mundial, grupos de pessoas com ideias nacionalistas e de extrema direita criaram uma fábula; isto é – uma narrativa que defendia que o país não se tinha rendido. Nem sequer tinha perdido a guerra. O que ocorreu é que eram vítimas de uma tremenda conspiração que era assente em empresários e magnatas de origem judaica e alguns comunistas que tinha como única intenção destruir o país. Tal pode ser visto no livro: “A Morte da Democracia” de Benjamin Carter Hett (2018) em que este autor considera que o trauma da derrota deixou os alemães a preferirem acreditar numa meta-realidade acerca da guerra. Isto é, uma estória e não necessariamente a verdade. Tal ocorreu, porque, segundo Hett, devido às condições paupérrimas em que a Alemanha tinha ficado após a derrota neste conflito, a nível emocional tal era necessário.
À luz destes postulados pode ver-se que antes de subir ao poder, Hitler afirmava que era imperioso pedir explicações aos criminosos de 1918. A morte de dois milhões de alemães tinha de ser explicada e não poderiam ter sido em vão, exigia vingança e recusava-se sentar à mesa com traidores e assassinos!
Algo semelhante, embora noutra escala, foi visto recentemente com a invasão do “Capitólio” nos EUA. Assistimos incrédulos ao que pode ocorrer quando se impõe um discurso de ódio; uma realidade paralela e não há uma transição pacífica de poder. Para ocorrer democracia há a imperiosa necessidade de se assumir a verdade – algo que os regimes autocráticos e déspotas têm muita dificuldade em assumir. Não é ao acaso que os média, “o 5º poder”, são dos primeiros alvos a cair vítimas de tentativas de descredibilização por parte destes regimes.
A evocação dos “ismos”
Quando em 2016, Donald Trump ganhou as eleições presidenciais nos Estados Unidos da América (EUA), recordo o acordar em choque do mundo para um resultado que se dizia, até então, impossível. Lembro as reações aterrorizadas da maior parte dos jornalistas, analistas e especialistas em assuntos de política nacional e internacional. Ninguém acreditava que esta personalidade dos “reality shows” (tratava-se do apresentador do programa televisivo – “O Aprendiz” “The Apprentice” que era transmitido na NBC), sem qualquer passado em cargos políticos/públicos, tinha ganho as eleições.
O mesmo ocorreu com Jair Bolsonaro, no Brasil, em 2019. Este país vinha de sucessivos mandatos com governos do “Partido dos Trabalhadores” (PT) – com Lula da Silva e Dilma Rousseff – que, em 2014, foi reeleita com alguma dificuldade. Bolsonaro, tal como já tinha ocorrido com Trump, inicialmente, também não era considerado um candidato credível. Porém, com uma propaganda em que se apresentava como sendo “salvador da pátria”; uma constante evocação nacionalista em que dizia coisas como – “O Meu Partido é o Brasil” – quem não se recorda deste dizer na t-shirt ensanguentada após o “ataque”, de que fora alvo em Minas Gerais, até parecia um momento do filme: “Tropa de Elite” – de José Padilha, acabou por, também e para mal dos nossos pecados, ganhar as eleições neste país.
Ora, o mesmo ocorreu com Viktor Orbán, na Hungria país onde lidera um governo nacionalista desde 2010. E mais recentemente na Polónia, com a vitória nas presidenciais de 2020 do ultraconservador – Andrzej Duda. Isto para não falar de Boris Johnson, do “Partido Conservador Unionista Inglês”, em Inglaterra – que culminou com as negociações do “Brexit”, que tinham sido iniciadas por Nigel Farage. Há ainda a AfD (“Alternative Fur Deutshland”), que neste momento tem 92 deputados na “Bundestag” – o equivalente ao parlamento nacional da Alemanha. Em França, assiste-se à presença cada vez mais assinalável da “Frente Nacional” de Marine LePen, a imposição do “Vox” em Espanha e convém não esquecer os fenómenos: holandeses, finlandeses, dinamarqueses, gregos, austríacos, suecos, estónios, letões, croatas, eslovacos, belgas, búlgaros, noruegueses e os italianos com um governo nacionalista, até há pouco liderado por Guiseppe Conte, tendo como base uma coligação dos partidos nacionalistas eurocéticos – a “Liga Norte” e o “Movimento 5 Estrelas”. Isto para não falar do perpetuar de Erdogan no poder da Turquia e de Putin na Rússia.
A culpa não é de André Ventura, é de quem o apoia…
No início do filme o “Triunfo da Vontade” (1935), Leni Riefenstahl retratou um grande comício nazi que estava a ser realizado em Nuremberga, na Alemanha. Nesta parte, desta obra assiste-se a uma sequência em que os pelotões de soldados nazis identificam-se individualmente e indicam a sua origem geográfica. Na maior parte dos casos, são pessoas de origens humildes e com ascendência rural. Ora, ao olhar para os resultados de André Ventura, pode ver-se que obteve resultados interessantes em quase todos os distritos nas últimas presidenciais. No entanto, destacam-se o Alentejo e algumas partes do interior do país. No que concerne ao nosso concelho, neste último ato eleitoral, destaca-se o facto deste candidato ter obtido 1.608 votos! Aqui, evidenciam-se os casos das Freguesias de Febres (133 votos), Cadima (139 votos), Tocha (231 votos) e a União de Freguesias Covões e Camarneira (130 votos). Em termos de origem geográfica de apoio a este tipo de ideias, pode ver-se que não há coincidências. É, pois, infelizmente, um aspeto histórico.
Será que também na nossa terra, aos poucos, tal como ocorre na Europa, estamos a assistir, à imposição de uma vaga nacionalista que se teme como sendo algo inevitável. Está-se num momento de prelúdio de uma desgraça que tem sido anunciada, em que após um processo de globalização que trouxe um inaudito incremento do índice de qualidade de vida para todos, neste momento quem nele cresceu – personagens como André Ventura etc. – estão, por motivos muito pessoais, a destruí-lo para que ele entre em processo de implosão. Há a imperiosa necessidade de se compreender as causas! Isto é, o que levará alguém a votar neste tipo de candidato?
Embora correndo o risco que a supramencionada origem rural do apoio que é dado ao ideário nacionalista de André Ventura no nosso concelho, possa ser mal interpretado. Para mim, apesar da evidente crise social e económica em que estamos mergulhados e que, devido ao atual contexto pandémico, poderá piorar ainda mais, tendo em conta o índice incalculável de emigração que caracteriza Cantanhede, é incompreensível que alguém com um discurso que é gizado contra a globalização possa ter agremiado tanto apoio. Há pessoas nestas localidades que só tiveram sucesso na vida, porque a existência de um mundo globalizado assim lhes permitiu. Mais, num momento, em que o SNS tem sido posto à prova diariamente com a pandemia, como é possível apoiar alguém que é contra a saúde gratuita?! Como é que nestas localidades, com índice populacional cada vez mais envelhecido, se pode apoiar uma pessoa que considera que o estado social (que defende a promoção da dignidade individual de cada um de nós) é uma abominação? É que estamos a falar de educação, saúde, justiça e assistência social como direitos, e não como meros serviços. Alguém deste eleitorado se deu ao trabalho de ler as intenções deste candidato?
Em suma, considero que há a imperiosa necessidade de olhar para além das parangonas e das mensagens visuais impostas! Há uma carência gritante de compreender que, apesar de imperfeito, este sistema e a representatividade que ele permite é por enquanto a melhor solução política encontrada pela sociedade para nortear o seu quotidiano. Porém, também é importante compreender que como o que ocorre com qualquer outra ferramenta – trata-se de um sistema que requer melhorias. E tem também representantes, menos credíveis, que devem ser afastados imediatamente!
É, no fundo, um sistema imperfeito e tal como o seu criador – o homem – requer adaptações e melhorias constantemente.
Luís Miguel Pato – Profissional e Docente em Ciências da Comunicação