29.2.2024 –
“O suíço – Carl Jung (appud., Monbourquette, 2005) entende a sombra como sendo um conjunto de recalcamentos. Isto é, trata-se de uma cristalização, no inconsciente, de uma área obscura da existência do indivíduo que representa inverso consciente da lógica. É o lado mal-amado, portanto. Trata-se daquele momento/acontecimento que todos queremos esquecer, mas que teima e reavivar a sua presença.
Há dias, ao ver Luís Montenegro a conviver alegremente com Pedro Passos Coelho fiquei com a certeza da tecnocracia, despejada de preocupações sociais, que aí vem, caso vença a direita. É só ouvir o que disse acerca da imigração e da conotação que fez…
Da política de algibeira que, mais uma vez, nos espera. Com a agravante de, nesta eleição, eventualmente, termos, pela primeira vez desde há 50 anos (fará este aniversário no próximo dia 25 de Abril) ideologias populistas também ao volante dos destinos do país. Estaremos, então, num contexto em que, como diria João Pinto – ex-capitão do meu Futebol Clube do Porto: “estava à beira do precipício, mas tomou a decisão correta: deu um passo em frente…”
Em meia dúzia de frames e respetivos soundbytes, compreendi que há coisas que não mudam. Está nos genes. Afinal, não posso esquecer que resido num concelho (Cantanhede), laranja, há já muito tempo, que em tempos de Covid19, a câmara, local, gabava-se de ter obtido um saldo de gerência positivo (1.878.321,21)[1]. Mas, se uma câmara não é uma empresa – isto é, a sua existência não é para ter lucro (nem contas negativas), a pergunta era, é e continuará a ser: onde é foi buscar este lucro? Ou aliás, – melhor: em tempos de pandemia, em que o sufoco financeiro era uma realidade asfixiante para muitas famílias, onde e a quem é que a edilidade foi buscar este dinheiro?
Resposta: “teve a possibilidade de ajudar os seus munícipes, baixando-lhes, por exemplo, a carga fiscal (IMI, IRS, Derrama etc.), em ano de pandemia, e por opção, meramente política, não o fez”. É caso para dizer: são opções, senhor… Eu não concordo; dificilmente respeito. Mas, tenho de aceitar – é o estado democrática a carburar. Foram eleitos para tomarem decisões e foi isso que fizeram… Concorde-se, ou discorde-se das mesmas…
E, hoje, por muito que a comunicação social o omita e que as rábulas televisivas, da autoria de Ricardo Araújo Pereira, o ridicularize, não só pode omitir que o país vive em estado de contracorrente com o resto da Europa. Basta ver os inúmeros aumentos que se têm registado – desde as pensões, até às carreiras…. Só não vê quem não quer. Se há problemas? Há e de que maneira. Uma maioria absoluta jamais devia ter cometido os erros que cometeu – esta conclusão é inegável. No entanto, também não se podem omitir realidades que os media outlets (como disse um dia Donald Trump – esse verdadeiro hino à democracia) têm feito de uma forma incessante – é o resultado direto do infotainment.
Aliás, acerca deste propósito recordo aqui o ponto B, do artigo 34º, da secção II, da Lei da Televisão que impõe que: “todas as operadoras de televisão devem assegurar a difusão de uma informação que respeite o pluralismo, o rigor e a isenção”. Ora, ao olhar para alguns painéis de comentadores políticos de alguns canais privados, e às vezes até no serviço público, pode ver-se que existem inúmeros atropelos a esta obrigação prevista de forma jurídica[2].
Mas, mais uma vez, ao ver Pedro Passos Coelho – o famoso (?) primeiro-ministro que foi para além do que a Troika pedia. O mesmo cortou pensões; congelou progressões; impôs cortes nos vencimentos da função pública; eliminou inúmeros subsídios – como os de Natal e os de férias; que convidou a geração mais bem formada da história desta pedra à beira-mar plantada a sair do país; que disse que quem recebesse mil euros por mês era rico etc. etc… Imagino, o regozijo metafísico que devia emanar, nesses tempos, ali para os lados do Vimieiro (Sta. Comba Dão) … deu para ver o que aí virá. E virá porquê?
Simples! Vivemos uma crise de valores – assiste-se: “à liquidificação dos alicerces da sociedade”, como diria Zygmunt Bauman… Assiste-se à persistência de um flagelo assente em vários níveis de iliteracia – que vão desde a mediática até à ideológica. E à luz de uma inflação global crescente, dificilmente conseguimos fugir da garra desviante do populismo fácil… Estamos todos presos numa caverna platónica e prosseguimos o nosso deleite diário com meras imagens da verdade… Estamos agrilhoados à interpretação da realidade; à espetacularização das imagens assentes em médias e avaliações de candidatos à liderança do nosso país em debates que, por vezes, fazem com que reality shows pareçam conteúdos de high culture, como diria Talcot Parsons.
Vivemos, portanto, numa numa espiral ingénua em que renunciamos à nossa própria independência de julgamento… É, no fundo, a degradação iluminista da nossa sanidade… afinal, vivemos na era do capitalismo de vigilância (Zuboff, 2018) em que cedemos a nossa independência a vários níveis e até em contextos que ainda não ocorreram, mas que já estão previstos. E o julgamento verdadeiramente justo e consciente?
Esse só será assumido, na sua plenitude, quando as pulsões repressivas de quem elegermos influírem nas várias dimensões que compõem as nossas vidas… E é tudo tão claro que até assusta… Mas mesmo aí, como o que aconteceu, com Pedro Passos Coelho, a culpa será dos governos socialistas anteriores… Do #aculpaedosocrates vamos passar para: #aculpaedocosta ou para o #aculpaedomedina… Mais do mesmo, portanto…
Bem, por hoje é tudo. Agora, está na hora de ir comprar umas ceroulas com a bandeira nacional…”
[1] Notícia disponível em: https://miraonline.pt/ps-cantanhede-em-tempos-de-covid-19-os-municipes-de-cantanhede-merecem-mais-do-que-contas-positivas/
[2] Mais informações disponíveis em: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/lei/27-2007-636409
Luís Miguel Pato
Docente – Ensino Superior
Profissional de Comunicação
[1] Mais informações disponíveis em: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/lei/27-2007-636409