Mundial de patinagem artística: João Cruz conquista bronze à custa de rifas, sem apoio do Estado

25.6.2023 –

A medalha de bronze foi conquistada com sangue, suor, lágrimas e… rifas. João Cruz, de 14 anos, tinha todo o potencial para chegar ao topo do Mundial da modalidade a quatro rodas, mas isso não foi o suficiente para convencer o Estado a financiar a sua ida. Portugal foi à Argentina e foi bem representado no pódio, mas João não se esquecerá que patinou sozinho.

A patinagem artística em quatro rodas pode ser incomum, mas significa muito para alguns desportistas, nomeadamente para João Cruz. Com uma passagem à semifinal, que depois garantiu a presença na final da Taça do Mundo, João Cruz do clube Artwheels viu-se a dançar sozinho no ringue.

Com apenas 14 anos, João Cruz conquistou o terceiro lugar no Mundial da Patinagem Artística na Argentina. Portugal ficou representado no pódio, com uma atuação que valeu o bronze, tal como já tinha acontecido na semifinal em Trieste, Itália.

No entanto, apesar de envergar a bandeira portuguesa no seu fato, Portugal nem um empurrão deu para que João Cruz conseguisse patinar até às duas fases finais. O jovem foi um dos dois que conseguiram ir à prova, deixando outros seis de fora.

Nem o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), nem a Federação se disponibilizaram para apoiar a ida de João a Itália e à Argentina. Porém, a mãe Cláudia reuniu todos os esforços em apenas um mês e conseguiu, através de doações de amigos, familiares, das redes sociais e rifas angariar 10 mil euros para cobrir equipamento, deslocações, dormidas, refeições.

Foi muita ansiedade, de muita angariação de dinheiro, foi tudo através dos nossos amigos, de venda de rifas, através das redes sociais, mandei e-mails a muitas entidades, empresas de Setúbal, multinacionais, mas aí não conseguimos nada, foi mesmo só através de amigos”, conta a mãe de João.

Esta realidade não é exclusiva da patinagem artística, nem a Portugal, existem muitos desportos e países que não têm quaisquer apoios garantidos pelo Estado para concretizarem as suas conquistas em campeonatos internacionais.

Do que percebi, a nível europeu, a situação é a mesma. A nível de outros continentes acredito que seja diferente, porque eles se apresentavam com fatos oficiais das suas respetivas federações”, relembra Carolina Cabo, uma das fundadoras do clube Artwheels onde João Treina.

A própria existência do clube é justificada pela falta de visibilidade e ajuda que alguns desportos têm, mesmo a nível interno de clubes que albergam várias modalidades. O clube de Setúbal foi fundado por duas irmãs, Joana e Carolina Cabo em 2019.

Decidimos criar o nosso clube para levar a nossa maneira de pensar e fazer as coisas avante, para tentar criar aqui ferramentas para ter atletas deste nível. Noutros clubes é difícil quando existe um futebol ou andebol é tudo direcionado para isso”, explicou a treinadora Joana.

Oito jovens portugueses podiam participar e apenas dois, contando com o João, é que conseguiram ir representar Portugal à América Latina e, ainda, trazer a medalha para casa.

Fiquei muito feliz pelo meu lugar, mas triste porque a Federação não ajudou nada”, confessou João Cruz, que patina desde os sete anos.

Em 2016, João vibrou ao ver a irmã a praticar patinagem artística em quatro rodas, algo que também se sucedeu com as respetivas treinadoras, uma contagiou a outra.

O meu pai era jogador de andebol profissional, jogava no Sporting e eu ia com a minha mãe ver os treinos e jogos e a patinagem existia lá na altura, eu pedi à minha mãe para ir experimentar e desde aí que o bicho começou”, contou Joana Cabo.

Apesar do pouco que se conhece ou fala sobre esta modalidade, esta não deixa de representar muito para quem a pratica. Para o João, é a sua “vida toda, significa muito”.

Faz parte da maioria do meu tempo, a minha vida não seria quase nada sem patinagem, eu gosto muito de fazer”, esclarece o jovem de 14 anos.

Existe o gosto, existe o jeito, mas falta o dinheiro.

Com cada vez mais conquistas na modalidade, a treinadora Joana Cabo acredita que “as coisas estão a mudar” no que diz respeito à visibilidade deste desporto.

Porém, do que vale o trabalho dos atletas se não têm meios para cumprirem os seus sonhos?

Os portugueses erguem a bandeira em terras onde conquistam os seus campeonatos, mas em poucas modalidades se poderá dizer que o país representa o atleta.

SIC Notícias/Maria Madalena Freire

Imagem: Artweels