Enquanto dirigente académico foi um dos principais inspiradores e protagonista da crise académica que marcou os anos sessenta. Com o início das guerras coloniais, a contestação dos movimentos estudantis tornou-se cada vez mais atuante, constituindo um verdadeiro quebra-cabeças para o regime, e sobretudo para a polícia política que o sustentava.
Uma voz incómoda na defesa dos presos políticos
Concluído a licenciatura, Jorge Sampaio profissionalizou-se como advogado, com uma intensa atividade que se estendeu a todos os ramos do Direito. O seu prestígio profissional mereceu-lhe o reconhecimento da classe, que lhe confiou funções diretivas na Ordem dos Advogados.
Mas foi como defensor de presos políticos, nos julgamentos do Tribunal Plenário de Lisboa, que Jorge Sampaio mais se notabilizou como opositor à ditadura. Prosseguindo a sua ação de combate ao regime do Estado Novo, aproveitou a ténue abertura marcelista para se candidatar, em 1969, às eleições para a Assembleia Nacional, integrando as listas da CDE – Comissão Democrática Eleitoral.
Embora não tendo sido eleito, continuou a desenvolver uma constante e intensa atividade política e intelectual, participando nos movimentos de resistência e na afirmação de uma alternativa democrática de matriz socialista, aberta aos novos horizontes do pensamento político europeu. De resto, as suas vivências e conhecimento dos regimes democráticos tiveram em Jorge Sampaio uma forte influência motivadora para os combates políticos que assumiu.
Um percurso político autónomo pós-revolução
Após a revolução democrática de 1974, Jorge Sampaio foi um dos principais impulsionadores da criação do MES – Movimento de Esquerda Socialista, do qual se desvinculou, logo no congresso fundador em dezembro do mesmo ano, por discordâncias de fundo com a orientação ideológica aí definida.
Nos períodos mais críticos dos anos da pós-revolução, Jorge Sampaio exerceu um importante papel no diálogo com a ala moderada do MFA, sendo um ativo apoiante das posições do “Grupo dos Nove”, e um firme opositor às tendências defendidas pela extrema-esquerda.
Em março de 1975, foi nomeado secretário de Estado da Cooperação Externa, no IV Governo Provisório, integrando o Ministério dos Negócios Estrangeiros, ao tempo liderado pelo major Melo Antunes. Fundou, ainda nesse ano, a “Intervenção Socialista”, movimento político de intelectuais que viriam a desempenhar relevantes funções na vida política.
Depois de um longo período de reflexão e militância política mais ou menos inorgânica, Jorge Sampaio aderiu ao Partido Socialista em 1978. No ano seguinte foi eleito deputado à Assembleia da República pelo círculo de Lisboa, passando a integrar o secretariado nacional do partido. Foi reeleito deputado nas eleições legislativas de 1980, 1985, 1987 e 1991. Na sessão legislativa de 1987/88 foi presidente do Grupo Parlamentar do PS.
De 1979 a 1984 foi membro da Comissão Europeia dos Direitos do Homem no Conselho da Europa, realizando aí um importante trabalho na defesa dos Direitos Fundamentais, e contribuindo para uma aplicação mais dinâmica dos princípios contidos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Em 1986/87, dirigiu o gabinete das Relações Internacionais do PS. Foi ainda co-presidente do “Comité África” da Internacional Socialista.
De secretário-geral do PS à presidência da Câmara de Lisboa
Em 1989 Jorge Sampaio foi eleito secretário-geral do Partido Socialista, cargo que exerceu até 1991. Teve a primeira prova de fogo como líder do partido quando teve de escolher o candidato socialista à Câmara Municipal de Lisboa.
Foi o próprio Jorge Sampaio que, mais tarde, descreveu o seu processo de decisão nestes termos: «(…) Ninguém queria. Como secretário-geral, estava num canto. Fechei-me em casa durante um dia inteiro, completamente enrascado, e decidi em frente ao espalho, depois de receber o António Costa: “Sou eu!” Percebi que não havia outra saída».
Disputou as eleições autárquicas contra Marcelo Rebelo de Sousa, candidato da AD – Aliança Democrática, tendo sido eleito em outubro desse mesmo ano, e reeleito em 1993. Esta candidatura assumiu, na altura, um grande significado político e contribuiu para dar às eleições autárquicas um relevo nacional. Como presidente da Câmara de Lisboa afirmou uma visão estratégica, com recurso a novas conceções e métodos de planeamento, gestão, integração e desenvolvimento urbanístico.
De 1990 a 1995, Jorge Sampaio exerceu a presidência da UCLA – União das Cidades de Língua Portuguesa, sendo eleito, em 1990, vice-presidente da União das Cidades Ibero-Americanas. Foi também eleito, nesse mesmo ano, presidente do Movimento das Eurocidades, e presidente da Federação Mundial das Cidades Unidas, em 1992. Os seus mandatos como líder da capital foram marcados por uma assinalável projeção internacional da cidade.
Candidatura surpresa ao Palácio de Belém
Em 1995, de uma forma algo inesperada e surpreendente, Jorge Sampaio anunciou a sua candidatura às eleições presidenciais, deixando o seu próprio partido sem qualquer outra alternativa que não fosse assegurar-lhe o seu apoio. Mas a sua candidatura rapidamente congregou o apoio de inúmeras personalidades, independentes e de outras áreas políticas, com destaque na vida política, cultural, económica e social.
Em 14 de janeiro de 1996, foi eleito à primeira volta, batendo o seu mais direto adversário, Aníbal Cavaco Silva, apoiado pelos partidos do centro direita. Foi investido no cargo de Presidente da República no dia 9 de março seguinte. Cumpriu o seu primeiro mandato exercendo uma magistratura de iniciativa na linha do seu compromisso eleitoral. Em 2001 apresentou-se de novo e voltou a ser eleito à primeira volta, em 14 de janeiro, para o segundo mandato.
A presidência de Jorge Sampaio no Palácio de Belém pautou-se sempre por um senso firme de prudência e moderação, um estilo que lhe assegurou um primeiro mandato sem controvérsias. Porém, no seu segundo mandato, em 2004, a sua decisão de não convocar eleições antecipadas após a resignação do primeiro-ministro social-democrata, Durão Barroso, foi contestada por todos os partidos de esquerda e acabou por influenciar a decisão de demissão do então líder do Partido Socialista, Eduardo Ferro Rodrigues.
Então, em cenário de grande crispação política interna, o Presidente Sampaio optou por dar posse a um novo primeiro-ministro, o social-democrata Pedro Santana Lopes, sob o pretexto de que a maioria parlamentar se mantinha inalterada. Porém, escassos meses depois, e perante uma notória instabilidade política, Jorge Sampaio demitiu o chefe do governo e convocou eleições antecipadas, que seriam ganhas pelo Partido Socialista, liderado por José Sócrates.
Comissário das Nações Unidas e reconhecimento internacional
Terminados os mandatos presidenciais, Jorge Sampaio manteve sempre uma forte atividade cívica e de intervenção. Em maio de 2006 foi nomeado, pelo secretário-geral da Nações Unidas, Enviado Especial para a luta contra a tuberculose. Em abril de 2007 Ban Ki-moon nomeou-o Alto Representante da ONU para a aliança das civilizações.
Em 9 de março de 2006, dia em que terminou o segundo mandato, Jorge Sampaio foi agraciado pelo seu sucessor, Aníbal Cavaco Silva, com o Grande-Colar da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, e com o Grande-Colar da Ordem do Infante D. Henrique. Em abril desse mesmo ano tomou posse como Conselheiro de Estado, na sua qualidade de antigo Presidente da República.
Jorge Sampaio recebeu diversas distinções nacionais e estrangeiras, entre as quais o doutoramento “honoris causa” pelas universidade de Aveiro em 2008; pela Universidade de Coimbra, e pela Universidade de Lisboa, em 2010. Recebeu também, entre várias outras distinções, o Prémio Europeu Carlos V, pela Fundação Academia de Yuste, em 2004; XIV Prémio Norte-Sul do Conselho da Europa – Rainha Rania-Al Abdullah, em 2010; Prémio Diálogo de Culturas, pelo Ayuntamiento de la Antigua y Leal Villa Montánchez, em 2010; Medal of Gratitude, pelo European Solidarity Center da Polónia, em 2010; VI Prémio Internacional Sevilla Nodo Entre Culturas, em 2011.
Ao nível de condecorações oficiais estrangeiras que foram atribuídas a Jorge Sampaio, destacam-se as dos Estados de Chipre, Finlândia, Brasil, Holanda, Chile, Tunísia, Grã-Bretanha, Irlanda do Norte, Marrocos, Alemanha, Guiné-Bissau, Moçambique, Polónia, Espanha, Ucrânia, Venezuela, Hungria, México, França, Grécia, Roménia, Eslovénia, Tunísia, Bélgica, Cabo Verde, Itália, Gabão, Argentina, Lituânia, Noruega, Argélia, Paraguai, e Luxemburgo.
Em 2015, Jorge Sampaio foi um dos agraciados com a primeira edição do Prémio Nélson Mandela, criado para reconhecer as realizações daqueles que dedicam as suas vidas ao serviço da humanidade, promovendo os propósitos e princípios das Nações Unidas. Aquando do anúncio, a ONU descrevia o antigo presidente como “grande defensor da democracia portuguesa”, desde os tempos de estudante, em que era um ativista político, até depois do 25 de Abril, como político.
Em abril de 2018, Marcelo Rebelo de Sousa surpreendeu Jorge Sampaio ao condecorá-lo com o Grande-Colar Ordem do Infante D. Henrique, pela sua iniciativa de apoio aos estudos de jovens refugiados.
A 27 de agosto de 2021, com 81 anos, foi internado, em Lisboa. Jorge Sampaio estava no Algarve, mas, após sentir “dificuldades respiratórias” e “dado o seu historial de doente cardíaco”, foi transferido para Lisboa, sendo acompanhado no Hospital de Santa Cruz, em Carnaxide, onde é habitualmente seguido e foi operado ao coração há vários anos.
Jorge Sampaio casou em segundas núpcias, em 1973, com Maria José Ritta, com quem teve uma filha, Vera, nascida em 1977, e André, em 1980. Do primeiro casamento não teve filhos.
Lusa