Prémio Camões em 2010, Ferreira Gullar era um dos grandes nomes da literatura brasileira e lusófona.
O poeta e escritor brasileiro Ferreira Gullar morreu este domingo, no Rio de Janeiro. Tinha 86 anos. Recebeu o Prémio Camões em 2010 e em 2014 foi eleito para a Academia Brasileira das Letras. Segundo o site de O Globo, o escritor estava internado no Hospital Copa D’Or, na Zona Sul do Rio de Janeiro devido a uma pneumonia.
Nascido em São Luiz do Maranhão, Ferreira Gullar, pseudónimo de José Ribamar Ferreira, foi poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, argumentista de teatro e de televisão, memorialista e ensaísta. Editou o primeiro livro, “Um pouco acima do chão”, em 1949, com recursos próprios. Ferreira Gullar foi politicamente ativo – quer como cidadão quer como escritor, o que o levou inclusive ao exílio, na década de 1970, tendo vivido em Moscovo, Santiago do Chile, Lima e Buenos Aires.
Ferreira Gullar contou, ao longo da vida, com múltiplas cumplicidades artísticas, fosse no universo das artes plásticas, fossem em áreas mais próximas do grande pública, escrevendo músicas para Caetano Veloso e Milton Nascimento, para citar alguns, ou escrevendo séries para a TV Globo. Um dos seus poemas mais conhecidos, “Poema Sujo”, uma crítica à ditadura brasileira, chegou aos leitores pelas mãos de Vinicius Moraes que o trouxe de Buenos Aires, onde Ferreira Gullar se encontrava então exilado, numa versão gravada em cassete. “Cem páginas da mais alta poesia; um troço, pai, de arrepiar os cabelinhos do cu”, foi assim que Vinicius definiu os 40 minutos de poesia gravada numa carta escrita ao amigo Calasans Neto.
Em 2002, por indicação de nove académicos de Portugal, Brasil e dos Estados Unidos, foi indicado para o Prémio Nobel de Literatura.
Por ocasião da atribuição do Prémio Camões em 2010, o escritor brasileiro Moacyr Scliar (1937-2011) referiu-se a Ferreira Gullar como uma “lenda viva da literatura do Brasil”.“Ele é uma lenda viva da literatura e da história do Brasil”, disse Scliar, “uma rara combinação de grande poeta, grande intelectual e grande ser humano”.
Dois anos depois, em 2012, e um ano depois da morte de Moacyr Scliar, Ferreira Gullar venceu a primeira edição do prémio com o seu nome (Prémio Moacyr Scliar de Literatura), com o livro “Em Alguma Parte Alguma”, publicado em 2010, em Portugal, pela Ulisseia, chancela da Babel, em simultâneo com a edição brasileira. “Em Alguma Parte Alguma” marcou o regresso à poesia de Ferreira Gullar, após uma pausa de dez anos na produção do género, e foi em 2011 eleito o melhor livro de poesia e livro do ano pelo júri do Prémio Jabuti.
Em entrevista à agência Lusa em setembro de 2010, Ferreira Gullar afirmava que a poesia é uma aventura e um mistério, que “nasce inesperadamente”. “O poema é uma aventura, não tem plano, não tem propósito definido a não ser inventar um mundo poético”, disse aquele que foi um dos maiores poetas de expressão portuguesa contemporâneos.
“Eu me considero, sobretudo, um poeta pelo fato de que é como poeta que eu expresso alguma coisa própria, condizente com a minha experiência de vida. É uma experiência muito especial que não se confunde com as outras atividades”.
“Não falo em inspiração, falo em espanto, em coisas que me surpreendem”, explicou então ao afirmar que a sua motivação para um poema vinha das coisas mais inusitadas. “Eu, pessoalmente, digo que não sofro para escrever. Faço por minha própria vontade, não tem sentido sofrer deliberadamente. Escrevo porque me dá prazer escrever. O tema pode ser doído, mas no momento que escrevo, eu transformo em beleza estética, em beleza poética. É alegria e não tristeza”.
A Folha de São Paulo publica hoje um dos perfis mais completos da vida e obra de Ferreira Gullar, assinado por Paulo Werneck. Vale para entendidos e desconhecedores. Nele dá conta da história de vida do poeta da fisionomia angulosa, cheia de vincos expressivos e que “fez a alegria dos designers gráficos que a reproduziram ampliada em inúmeras capas de livros e revistas”. E é também no site do jornal brasileiro que encontra o último texto de Ferreira Gullar, que ali escrevia aos domingos, como hoje. Um texto intitulado “Para que alguém necessita ter a sua disposição milhões de dólares?”.
Fonte: Sapo24