Milhares de “pedras do tropeço” recordam as vítimas da perseguição nazi

O projeto artístico do alemão Gunter Demnig, mais de 65 mil quadradinhos dourados espalhados pelo chão de 21 países europeus e que recordam as vítimas do regime nazi, dificilmente passa despercebido a quem passa.

A iniciativa, batizada “pedras do tropeço”, começou nos anos 1990 em Colónia e Berlim, mas rapidamente foi alastrando a outras cidades, fora e dentro do país.

As “pedras do tropeço” podem ser encontradas na Holanda, Polónia, Itália ou República Checa, por exemplo, mas é na Alemanha, na cidade de Berlim, onde são mais visíveis.

No total são cerca de 7.400 as pedras do tropeço espalhadas pelo chão das ruas da capital germânica.

“Apesar do número parecer alto, ele representa apenas uma ínfima parte do total de pessoas perseguidas durante o período do nacional-socialismo em Berlim”, revela Sören Schneider, da equipa que coordena o projeto “Stolpersteine”, nome original em alemão.

Perto do edifício do Memorial da Resistência Alemã, onde trabalha a coordenação do projeto, há uma pedra do tropeço junto a um pequeno descampado, espaço onde antes existia uma casa particular.

Sören Schneider explica que “normalmente as pedras estão em frente a edifícios históricos, junto às portas de entrada das casas onde as pessoas que foram perseguidas ou mortas moravam”.

“Aqui viveu Wilhelm Vellguth”, lê-se na pedra. Há também outras informações, “neste caso pode ver-se que este senhor estava doente e morreu numa instituição. Nesse local, as pessoas eram sujeitas a um programa de eutanásia, criado durante o regime nazi”, conta.

Schneider recorda que as vítimas do nacional-socialismo não foram apenas judeus, mas também doentes, homossexuais ou ciganos, entre outros.

“As primeiras pedras do tropeço foram instaladas em Berlim em 1996, durante uma conferência sobre arte que decorreu no bairro de Kreuzberg, que se chamou ‘pesquisa artística depois de Auschwitz’. Nessa altura, Gunter mostrou parte do seu trabalho e também instalou a primeira pedra. Nessa época era ilegal, não tínhamos autorização da autarquia para colocar as pedras”, conta Sören Schneider, enquanto vai mostrando uma caixa cheia de “cubos com memória” à espera de serem instalados.

“Hoje em dia temos permissão. O Gunter nunca pensou que o projeto atingisse esta dimensão. Começaram por ser apenas algumas pedras, poucas, que ainda podem ser vistas em Oranienburger Straße. Hoje o projeto tornou-se muito maior”, adianta Scheider, que trabalha como voluntário para este projeto.

As pedras são todas do mesmo tamanho, “cubos com 10 centímetros de comprimento, feitos de betão, e com uma placa de latão no topo. Aí é inscrito o nome da pessoa e a história do que lhe aconteceu”.

Também são todas ao mesmo preço: “a produção e instalação da pedra custa 120 euros. Desta forma conseguimos cobrir os custos das viagens para outras cidades e fazer com que as pedras do tropeço estejam por toda a Europa”.

Sören Schneider revela que “em geral todas as pedras são pagas, mas às vezes, quando, por exemplo, uma escola não pode gastar esse valor, usamos os donativos que nos são feitos para cobrir esses custos”.

Ao caminhar por Berlim é quase impossível não encontrar uma ou várias pedras douradas no chão, “normalmente há mais do que uma, porque é quase sempre mais do que uma pessoa. Não necessariamente uma família, mas vizinhos que foram deportados para um campo de concentração no mesmo dia, por exemplo.”

“Às vezes são os familiares que pedem uma pedra do tropeço, e contam-nos o que sabem da história da família. Por vezes não conhecem toda a história e procuram nos arquivos. Outras vezes são os moradores atuais desses edifícios onde já viveu alguém perseguido ou morto. Depois também existem os pedidos feitos por escolas, associações ou partidos, por exemplo”, descreve este alemão, membro da equipa que coordena o Stolperstein, em Berlim.

Schneider acredita que há mais de 65 mil pedras do tropeço espalhadas por 21 países da Europa, “especialmente nos que foram ocupados pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial”.

Mas também “há cidades onde as pedras do tropeço estão proibidas, como por exemplo em Munique.”

Uma das críticas mais pesadas contra o projeto das pedras do tropeço surgiu da ex-presidente do conselho central dos judeus na Alemanha, qualificando-o de “insuportável” por ter os nomes dos judeus inscritos em pedras para serem pisadas.

O autor do projeto argumenta que elas funcionam como homenagem às vítimas, para que ninguém esqueça.

Os números variam, mas calcula-se que mais de 40 milhões de civis terão morrido durante o período da ocupação nazi e da Segunda Guerra Mundial, que terminou faz hoje precisamente 73 anos.

Lusa