Quem conhece a fundo a Praia de Mira, conhece as suas gentes. E, quem conhece as suas gentes, sabe bem quem é Manuel Gabriel e tantos outros da sua geração…
Homem rijo, de fibra conquistada a cada gota da água dos oceanos por onde esteve, este cidadão carismático conta histórias de rir e de chorar, no seu livro “Atrevimento de um pescador (e as horas de solidão”).
Ali, naquelas 205 páginas, estão os momentos marcantes, feitos de muito suor, muitas lágrimas e muita força interior, para resistir às intempéries do tempo e da alma…
Ali, a força física é demonstrada ao extremo, levada ao extremo, como extremas eram as condições dos pescadores do mar alto, naqueles tempos….
Ali, naquelas páginas, este homem que conta 71 anos de vida e continua sendo afável, nada vaidoso, humilde e brincalhão, conta passagens que dão que pensar…
É que a vida que ele escolheu (ou terá sido “ela” a escolhê-lo?), logo aos 16 anos, foi tudo menos fácil. Nela estão inclusos a “Arte Xávega”, a duríssima pesca do bacalhau pela Terra Nova e pela Groenlândia, a pesca em “águas mais quentes”, em África, os salvamentos de naufrágios, e tantas outras peripécias, em que um pequeno texto era incapaz de dar a sua real dimensão de vida!
Manuel Gabriel é, certamente, um herói, como tantos outros que já partiram e tantos outros que ainda cá estão.
Manuel Gabriel é uma imagem perfeita das dores que esta gente sente quando se lança ao mar, sem saber se retorna.
Manuel Gabriel é um pouco de cada luto das viúvas que choraram (e ainda choram) em tristes notícias que vemos pela televisão.
Ele, que experimentou trocar o mar que o apaixonou perdidamente, pela imigração no Luxemburgo, porém, sem sucesso: de lá voltou doente do corpo, e (quem sabe?) da alma que sentiu saudades das torrenciais chuvas que caíam abundantemente, a juntarem-se às águas do Oceano…
Este homem, que se diz somente “um amigo do seu amigo” resolveu compilar as suas memórias em páginas, em letras, em parágrafos, até chegar ao ponto final da história marítima. Mas, que não perdeu em nada, o jeito de continuar a contá-la em diálogo fresco, descansado e extrovertido. Enquanto fala, os lábios que, por momentos riem, trazem junto uma pequena lágrima no canto do olho. São contrastes de uma vida repleta deles. Mas, que – diz ele – “não trocava por nada neste mundo”…