Sessenta e quatro anos. Sim! São sessenta e quatro anos de vida, mas basta olhá-lo nos olhos e ver aquele sorriso para perceber que ainda é um menino!
Alcino Jesus Clemente ou, para todos os que o conhecem, o “mestre Alcino”, dentro da simplicidade que lhe é conhecida, acedeu a uma entrevista ao Jornal Mira Online, mas foi muito mais do que uma entrevista feita num bar, de frente para o mar que ele tanto ama, na “sua” praia amada… a de Mira. Foi uma conversa informal entre um jornalista ávido de conhecer a história destes heróicos marinheiros e um ser humano que se emociona com uma facilidade impensável em “homens de barba rija” como é o caso.
É que, por detrás da máscara de navegador, de homem que subiu a pulso até ao ponto de ver o seu pai reconhecer o seu valor, apesar de não lhe desejar a vida dura do mar, existe o poeta, o declamador, o artista que foi sendo esculpido pelas dificuldades da vida da pesca do bacalhau (e não só!).
Para os homens do mar, a “partida é a hora mais complicada”, diz ele, mas assume que se sujeitou “à humilhação, às ameaças de ser mandado para o campo de batalha, a ouvir palavras que feriam bem mais do que o próprio trabalho”, porque, antes do 25 de Abril “esta era a única forma de nos livrarmos daquela guerra injusta e sem sentido”.
Desfiando a memória, mestre Alcino afirma que somente a partir dos anos 70, as redes e as máquinas ficaram mais sofisticadas e, consequentemente “menos difícil”, o trabalho. Antes, “dos anos 60 para trás”, afirma com o poder de falar por experiência própria, o trabalho no mar era feito “por verdadeiros heróis… estes sim, eram os heróis!”
Na reforma desde 2005, este homem que gosta de falar em nome dos seus companheiros, declamando poemas alusivos às suas vidas, já foi formador na sua atividade profissional, e mais recentemente, “meteu-se na política” (ou será que “foi metido nela”?), fazendo parte do atual elenco da Junta de Freguesia da Praia de Mira (e lá voltamos nós: esteve em tantos lugares do mundo, conheceu tantas culturas, tantas terras, mas é aqui, na Praia de Mira que está “realmente” o seu mundo…). Quem quiser “meter conversa” com este homem de palavra e sorriso fáceis, basta procurar alguém da Junta a trabalhar “na rua”, pois é lá que ele estará. Não é homem para ficar em gabinetes: prefere a ação! Sempre assim foi, e sempre assim será…
Mas, se achar que a história de vida deste homem acaba aqui, está enganado!
Ainda havia um sonho a concretizar. Ainda existia a esperança de poder “passar a sua mensagem a todos os que a quisessem ouvir”. E assim foi! Esteve recentemente num programa da RTP (claro está!) a declamar os seus poemas em nome da vida dura do mar e de um futuro melhor para todos, que tanto anseia. Entrar no programa já foi um mérito… mas, conseguir chegar ao patamar ao qual chegou, foi algo impensável num primeiro instante para si próprio! Sim… declamou, emocionou, emocionou-se, tocou, com toda a certeza, muitos corações em Portugal, com a sua sensibilidade e a sua forma de ser. Este foi, não restem dúvidas, o maior prémio que ele podia almejar…
Para terminar, ficou a pergunta típica: “Quem é Alcino Jesus Clemente?”. A resposta veio em forma de sorriso e alguma vergonha refletida no rosto: “Alcino é um homem humilde. Sempre fui e continuo a ser! Em terra sou o que sempre fui no mar: lá, temos de ser duros porque a natureza assim obriga. Aqui, sou amigo do meu amigo, um ser humano normal, que muitas vezes se fez de “parvo”, mas que está farto de saber a verdade escondida por quem me toma por parvo. Sou, acima de tudo, honesto, e talvez seja por isso que as pessoas se aproximam de mim, ainda hoje. Tenho uma mulher que amo, um filho, uma filha e quatro netos… e, quem passou o que passei no mar, como milhares de homens iguais a mim, estando de bem com a vida… que mais pode querer?”.
Este é o fim de uma reportagem, mas está bem longe de ser o final de uma história de vida,rica e bela. Homens como este forjaram, e forjarão sempre, a natureza deste povo. Homens assim, são o espelho da perseverança que devemos ter nos tempos que correm. Eles passaram por muito mais do que o que passamos hoje. Por isso, os “mestres Alcinos” são o exemplo que todos devemos seguir, para conquistarmos um outro amanhã…