O médico que começou hoje a ser julgado no Tribunal de Peniche por homicídio negligente pela morte de uma mulher na urgência desta cidade em 2015 recusou hoje a acusação.
António Botelho de Sousa, 72 anos, considerou que “nada lhe pode ser imputado por má conduta médica”, explicando em tribunal ser este o primeiro processo em tribunal ao fim de mais de 40 anos de profissão.
O médico de clínica geral explicou que, para encontrar a causa das dores torácicas pelas quais a doente se queixava, pediu uma primeira bateria de exames complementares para um eventual diagnóstico de enfarte do miocárdio, o que não se confirmou.
Mais tarde, pediu novos exames complementares e, num momento posterior, uma TAC (Tomografia Axial Computorizada), admitiu, para descartar de vez o possível enfarte e tentar encontrar outros diagnósticos.
Os primeiros não o elucidaram e a TAC não chegou a ser realizada, uma vez que a doente acabou por morrer à espera de ambulância para a transportar para o hospital das Caldas da Rainha, onde faria a TAC.
Contudo, reconheceu que, em conjunto com o médico de medicina interna, não se tratava de um caso emergente e nunca foi ponderado transferir a doente para um hospital central, tendo chegado a ponderarem dar alta à doente.
Questionado sobre a causa da morte que o relatório da autópsia veio a concluir, um aneurisma coronário, disse que “se soubesse tinha pedido para a transferir para Lisboa”.
A juiz titular do processo agendou sessões até 19 de novembro.
De acordo com o despacho instrutório, a que a agência Lusa teve acesso, em 05 de janeiro de 2015 a vítima deu entrada na urgência e foi atendida pelas 09:51 pelo médico, queixando-se de “dores no peito e pescoço”, motivo pelo qual foi pedido um raio-x (RX) torácico pelas 10:41.
Pelas 11:16, o arguido observou o resultado do exame e “concluiu não haver lesões”, afastando a “hipótese de enfarte do miocárdio”, apesar de no RX ser visível existir um “alargamento do mediatismo superior”.
O problema apontado era indicativo de um eventual aneurisma coronário, que “impunha a realização de uma TAC” e o consequente reencaminhamento da doente para a urgência das Caldas da Rainha, por não haver TAC em Peniche.
A vítima foi mantida em observação na urgência de Peniche, sem ser transferida para as Caldas da Rainha para efetuar o exame e, a confirmar-se o diagnóstico, ser sujeita a intervenção cirúrgica.
A TAC foi pedida pelas 18:40, assim como um ecocardiograma e um eletrocardiograma, face à “persistência das dores torácicas”.
Os exames “não foram a tempo” e a mulher morreu pelas 19:30, vítima de “tamponamento cardíaco [rutura de uma veia do coração] decorrente de aneurisma coronário”.
O médico “deveria ter-se aconselhado com o médico de medicina interna e solicitado o transporte de urgência para Caldas da Rainha”, conclui a acusação, segundo a qual, se o médico tivesse agido de forma devida, a “morte não sucederia”.
O despacho instrutório refere que “a leitura do RX torácico mudaria todo o rumo” dos acontecimentos, concluindo ter havido uma “negligência inconsciente”.
Os hospitais de Peniche e de Caldas da Rainha, assim como o de Torres Vedras, pertencem ao Centro Hospitalar do Oeste.
Lusa