18.11.2024 –
Carolina Palmela, gastrenterologista do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, considera que a população e os profissionais de saúde, estão pouco sensibilizados para os efeitos secundários associados à toma de antibióticos. A especialista lembra que este tipo de medicamentos salva vidas, mas pode causar danos irreparáveis na saúde.
Os antibióticos fazem parte dos medicamentos mais prescritos no mundo, mas mesmo quando utilizados para tratar uma infeção não gastrointestinal, levam ao desequilíbrio dos microrganismos do intestino e a um potencial aumento de bactérias prejudiciais para a saúde, alerta Carolina Palmela, gastrenterologista do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures. Na Semana Mundial de Consciencialização Sobre o Uso de Antibióticos, promovida pela Organização Mundial de Saúde, a especialista lembra que este tipo de medicamentos salva vidas, mas pode causar danos irreparáveis.
Carolina Palmela explica que os efeitos perniciosos dos antibióticos no sistema gastrointestinal podem ser divididos em efeitos de curto e médio-longo prazo. “A curto prazo, a diarreia, por alteração da microbiota intestinal, é uma das principais complicações da antibioterapia. Este sintoma afeta cerca de 10-40% das pessoas medicadas com antibióticos, podendo atingir os 62% nas crianças”, salienta.
O risco de diarreia aumenta com a maior duração do tratamento. De acordo com a médica, os antibióticos vão levar à diminuição e/ou eliminação de grupos de bactérias benéficas, como os lactobacilos e bifidobactérias, o que pode resultar na maior proliferação de bactérias patogénicas, como o Clostridioides difficile.
“Em função do doente, a diarreia pode aparecer precocemente, logo nos primeiros dias, impedindo o cumprimento do tratamento antibiótico, ou mais tarde, a partir do sexto, sétimo dia de terapêutica. Mesmo nos indivíduos que não desenvolvem diarreia com a toma de antibióticos, a maioria desenvolve disbiose (desequilíbrio) intestinal, que poderá levar a consequências importantes a médio-longo prazo”, refere a médica.
Complicações graves a longo prazo
Carolina Palmela alerta que “é essencial considerar o grave problema do desenvolvimento de bactérias resistentes aos antibióticos”. Clarifica que “a alteração a longo prazo da microbiota intestinal normal pode conduzir à transferência horizontal de genes de resistência a antibióticos, a qual pode resultar em reservatórios de bactérias com material genético resistente a múltiplos fármacos”.
A médica acrescenta que “a disbiose intestinal a longo prazo poderá também contribuir para o desenvolvimento de múltiplas patologias no futuro, como a doença inflamatória intestinal, doença de Crohn, síndrome do intestino irritável, obesidade, asma, assim como doenças neurológicas e psiquiátricas”.
Devido aos riscos, Carolina Palmela apela ao uso correto dos antibióticos, isto é, à utilização “apenas quando existe indicação – elevada suspeita ou confirmação de uma infeção bacteriana”. Sublinha que a maioria das infeções são virais, sobretudo em idade pediátrica, e, neste caso, não existe indicação para toma de antibióticos. Por outro lado, lembra que não deve ser excedida a duração recomendada da terapêutica, porque “aumenta o risco de efeitos adversos como a diarreia e a disbiose intestinal, sem existir benefício clínico do prolongamento do tratamento”.
Como prevenir e tratar a disbiose
Quando a toma do antibiótico é necessária, é desejável que seja acompanhada da toma de um probiótico que apoie a estabilização da microbiota intestinal e previna o risco de disbiose. “Diversos ensaios clínicos e meta-análises demonstraram que a utilização de probióticos juntamente com o início do antibiótico ou até 48 horas depois do início do mesmo pode ajudar a prevenir ou tratar as consequências da disbiose associada ao antibiótico como a diarreia”, explica.
Para além de ajudarem a minimizar o dano provocado pelo antibiótico, os probióticos pretendem restaurar a comunidade bacteriana intestinal funcional, assemelhando-a à existente antes do tratamento antibiótico. Como nem todos os probióticos são iguais, Carolina Palmela frisa que “é essencial que seja um probiótico com evidência científica do seu benefício na prevenção e/ou tratamento da diarreia associada aos antibióticos”. Várias revisões sistemáticas e meta-análises suportam o uso da levedura Saccharomyces boulardii CNCM I-745 e da bactéria Lactobacillus rhamnosus GG no tratamento e/ou prevenção da diarreia associada a antibióticos em adultos e crianças. O Saccharomyces boulardii apresenta ainda a vantagem de, ao ser uma levedura, não ser eliminado diretamente pelo uso de antibióticos, podendo ser administrado em simultâneo com antibióticos para tratamento ou prevenção da disbiose.
Porém, apesar da evidência científica, “a maioria das pessoas, e também os profissionais de saúde, não estão suficientemente alerta para a incidência da diarreia associada aos antibióticos e dos potenciais efeitos secundários a curto e longo prazo associados à disbiose intestinal”, refere Carolina Palmela. De acordo com a médica, apesar do efeito benéfico e comprovado do uso de probióticos para prevenir a diarreia associada à toma de antibióticos, apenas 10-60% das prescrições de antibióticos se associam a prescrição conjunta de um probiótico. “No entanto, em Portugal, o consumo de antibióticos é alto e o consumo de probióticos é baixo”, acrescenta.
Para Carolina Palmela é importante relembrar que a diarreia associada à disbiose causada pela toma dos antibióticos impede frequentemente o doente de concluir o tratamento. E que “as alterações da microbiota intestinal podem permanecer durante semanas após o término do antibiótico, havendo mesmo a possibilidade de um não retorno total à flora saudável que existia antes do tratamento”.
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