“Em tempos remotos nas primeiras décadas do século dezasseis já os Portugueses pescavam nas águas frias da Terra Nova, Portugal foi dos primeiros Estados Europeus, a armar navios para a grande pesca.
Mas é seguro que os Portugueses nunca dominaram verdadeiramente a pesca do bacalhau.
Em 1510 começaram-se a formar Empresas de Viana do Castelo, Foz do Douro e Aveiro, a fim de meter navios a pescar nas águas da Terra Nova.
Os navios eram construídos todos em madeira de pinho, de várias categorias desde os palhabotes passando pelas caravelas os lugres patachos, lugres escunas, até aos célebres lugres de quatro mastros, e mais tarde alguns já de ferro estes já de grande porte.
Sendo aqui de enaltecer a coragem e valentia dos irmãos, CORTE REAL, a JOÃO FERANDES LABRADOR, e ao vianense JOÃO ÁVARES FAGUNDES, que de início a Coroa manifestou pouco interesse na manutenção de uma rota permanente com a Terra Nova dos bacalhaus.
Depois em 1520 gentes dos Açores de Viana e de Aveiro, embarcaram a fim de povoarem e colonizarem as costas geladas da ilha da Terra Nova.
Então já muito perto do ano 1600 já se contavam mais veleiros portugueses, a pescar nos grandes bancos do que barcas espanholas inglesas e francesas.
Os assaltos aos navios portugueses e os assoreamentos das barras, fez com que Portugal perdesse o interesse que havia antes, o que fez com que Portugal passou a importar o fiel amigo, e não a exportar como fazia antes.
E assim permaneceu largos e longos anos até á sua independência.
(Neste período estava Portugal dominado pelo reinado Espanhol.
Em 1624 não havia embarcações ao bacalhau, os portos principais como Viana, e Aveiro que tinham sido outrora grandes portos de armamento, não tinham sequer uma embarcação capaz de ir até aos grandes bancos.
Entretanto passam-se alguns anos, e a França cede a ilha da Terra Nova á Inglaterra, logo aqui melhorou a situação de Portugal e da Espanha, que logo começaram a importar o fiel amigo mais facilmente.
Começa aqui a grande importação sobre não só de bacalhau mas também de toda a manutenção dos navios assim como preparavam as tripulações dos mesmos, e que só mais tarde por volta de 1866, Portugal viria a mandar navios para a pesca do bacalhau, que até aqui era feita com linhas de mão que tinham o nome de corrico, e passaram a ser usadas linhas mais compridas largadas e aladas de dentro da própria embarcação.
Portugal nunca mais parou, e logo em 1872 a Empresa Bensaúde & Companhia, envia da Ilha do Faial dois veleiros aos grandes bancos, a escuna Creoula, e o patacho Gazela1º
Poucos anos depois a mesma Empresa já armava oito navios com uma técnica norte- Americana com dóris (pequenos botes) torando-se assim uma das empresas mais dinâmicas, e mais bem dimensionadas ao longo do século XX.
Foi então que a partir destas datas, que Portugal se virou para a pesca do bacalhau modernizando assim a sua frota.
Construindo navios mais modernos, e até já alguns arrastões, estes em ferro.
Mas com a segunda grande guerra mundial Portugal atravessou grandes dificuldades perdendo alguns dos seus navios, e as respetivas tripulações, daí que veio a lei (que assim se pode chamar) de todos os navios portugueses da pesca á linha teriam de ser pintados de branco, e com a bandeira portuguesa pintada no seu casco, e os arrastões que já eram alguns nesse tempo, era pintados de preto, para evitar tais desastres no mar pelos navios de guerra alemães que meteram alguns navios indefesos quando navegavam para os pesqueiros atravessando o Atlântico, e dos pesqueiros para Portugal.
Nesta altura já haviam algumas Empresas que armavam navios em ferro, de pesca á linha tais como o caso do Argus, Crioula, Santa Maria Manuela, José Alberto, etc..etc..
Portugal tinha então a maior frota de pesca á linha, logo após a segunda grande guerra mundial como já disse, também com alguns arrastões.
Nota: os arrastões eram todos construídos em aço, mais possantes que qualquer veleiro eram todos de propulsão mecânica para puderem arrastar com suas redes.
Em 1936 chega o primeiro navio arrastão a Portugal para Empresa de Pesca de Aveiro (E.P.A.) de seu nome “Santa Joana” mandado construir na Dinamarca pelo então grande sócio Carlos Roeder desta mesma Empresa de Pesca de Aveiro.
Mas a propósito de descrever como era a vida antigamente da pesca á linha, que não seria muito diferente daquilo que eu lá fui encontrar.
Nenhum navio largava para a faina da pesca, sem que estivessem presentes todos os navios fundeados no rio Tejo, em frente ao Mosteiro dos Jerónimos a fim de receberem a bênção dada pelo S.R Cardeal Cerejeira, assim como a presença do Presidente da República.
Esta bênção era dada em princípios de Abril, depois de uma Missa Campal «a que se chamava bênção dos bacalhoeiros»
Logo nesse dia saiam navios com rumo aos famosos pesqueiros, logo que findasse as cerimónias.
Chegava-se então aos pesqueiros, ao fim de nove ou dez dias para os navios de propulsão mecânica, que nesta altura já eram muitos, e para os veleiros quando não havia ventos de feição seria um pouco mais.
“Nota: os navios de linha não pescavam próximo dos arrastões, iam pescar para profundidades mais baixas”
Logo que chegavam aos pesqueiros os navios não podiam ficar próximos uns dos outros porque ao arriar (largar) os botes á agua, e como cada navio em media largava 60/70 botes ou até mais, e assim precisavam de uma área bastante larga sem qualquer navio perto.
Os Comandantes tratavam logo de saber as condições do tempo, e caso as condições o permitissem, davam ordens ás vigias para que ás quatro da manhã chamassem toda a tripulação para cima (chamava-se a este gesto os louvados) e lá ia o homem que estivesse de vigia lá abaixo ao rancho (assim se chamava os alojamentos onde dormiam os pescadores) e chamava todo o pessoal assim desta forma cantando bastante alto de maneira que toda a gente ouvisse.
SEJA LOUVADO NOSSO SENHOR JESUS CRISTO
PARA SEMPRE SEJA LOUVADO
VENHAM TODOS PARA CIMA
QUE O MEU QUARTO ESTÁ ACABADO
SÃO QUATRO HORAS ESTÁ O ALMOÇO NA MESA
E LOGO DE SEGUIDA VAI DAR A ISCA
Todo o pessoal se levantava para tomar o pequeno-almoço, que era composto com uma sopa quente ligeira, e logo de seguida era também distribuída uma pequena merenda que era composta com um bom naco de pão, algumas azeitonas, outro dia podia ser uns figos passados, outros umas postas de bacalhau frito e uma garrafinha com água
E era com esta alimentação que o pescador tinha que andar até ás três ou quatro horas da tarde a pescar no seu dóri.
A isca que lhe era dada, eram quinze cavalas grandes, e quinze lulas também grandes para cada pescador, (mas ressalvo aqui que em dias de boa calmaria, estava o navio parado com o ferro no fundo de noite, e como estava com as luzes acesas, costumava aparecer á borda algumas e boas lulas que para iscar os anzois era um luxo que os pescadores avisados pelo vigia que logo que aparecia a primeira lula, gritava bem alto que estava lula á borda lá se levantavam os pescadores, para irem apanhar umas lulas com uma arte que se chamava “TONEIRA” porque que cada anzol iscado com aquela lula que era mais que certo bom peixe, não dispensando no entanto a isca dada pelo navio) que os pescadores cortavam em pequenos pedaços servindo para cada anzol um desses pedaços.
Além de todas estas iscas ainda havia uma outra que era raro aparecer, e que quando aparecia era mais que certo carregar o bote de quem tivesse a sorte de a encontrar, que era o capelim, um peixinho do tamanho de uma sardinha e que o fiel amigo tanto gostava este peixinho era apanhado com um capinete ou um ganha-pão como queiram chamar normalmente era no ROK`S que se apanhava mais.
Este trabalho de cortar a isca era feito enquanto o navio mãe, pesquizava toda a zona envolvente para assim detetar os cardumes de mais peixe, e participar aos pescadores onde se encontrava mais peixe.
Aqui já estávamos nas décadas de cinquenta e sessenta em que já só os pescadores Portugueses é que pescavam com dóris já todos os Países tinham acabado com este método de pesca.
Havia ainda nesta altura quatro classes de navios á linha. Que eram assim classificados.
Os de grande porte e já de construção em aço eram aqueles “LUGRES” que tinham quatro mastros, e uma grande bujarrona que era quase como outro mastro á proa.
Como eram o Argos, o Crioula, Santa Maria Manuela, e José Alberto.
Outros “LUGRES ESCUNAS” de grande porte mas não tinham bujarrona, e muitos deles eram construídos em madeira, e outros de três mastros mais pequenos.
Outros o “LUGRE PATACHO “desta categoria havia um só, que era o lindo “GAZELA 1º”, e por últimos os navios já mais modernos mais seguros, e construídos em aço e movidos propulsão mecânica.
Falando dos lugres, os mais pequenos, e que a vida aqui a bordo era muito mas mesmo muito difícil.
Embora as tripulações destes navios fossem mais pequenas, também os alojamentos eram mais pequenos, em que dormiam em beliches uns por cima dos outros, e como em cima no convés não havia espaço para arrumar todos os aparelhos de pesca, assim como os pertences de cada pescador, como botas e roupa de oleado, todo este material estava pendurado ao jeito de cada pescador dificultando assim a passagem do pessoal pelo correr que já sem tudo isto era bastante apertado.
Depois cá em cima, havia no espardeque onde estavam os botes empilhados uns sobre os outros, havia toda a palamenta dos botes, e os respetivos cestos com as linhas de cada pescador.
Por isso era muito reduzido, todos os espaços estavam ocupados.
Isto acontecia em todos os navios de vela, porque nos outros de propulsão mecânica havia mais espaço, já não havia as velas, e paus vergas suplentes.
Nos lugres mais pequenos não havia salão ou refeitório, havia uma mesa ao centro dos alojamentos, que quando era na hora das refeições comia metade cada vez, porque não havia espaço para comerem todos juntos.
Mas este pormenor também se passava nos grandes navios, mas aqui o caso era porque era muito pessoal, eu andei num navio em que a tripulação era de 140 tripulantes, que só pescadores eram 110.
Aqui como falei tinham os pescadores que comerem em um primeiro grupo, metade destes pescadores, e só depois comia a outra metade, embora o navio fosse grande que tinha já uns bons alojamentos, e que tinha um bom refeitório com três grandes mesas.
Como falei atrás este navio tinha que ter um grande, e largo espaço de mar onde estivesse sozinho, para que os seus pescadores pudessem pescar á vontade, já que cada um em média, largava quinze linhas (cada linha tinha cinquenta metros) o que correspondia a uma distância de setecentos a oitocentos metros, para cada pescador.
Logo que os pescadores largavam para o mar, a azáfama a bodo do navio era outra.
A começar por baldear todo o navio da proa á ré esfregar com vassouras próprias, e pôr todos os utensílios preparados a fim de receber os botes quando chegassem a bordo, e descarregassem o peixe estes trabalhos de bordo eram executados pelos moços, assim como preparar o porão isto é, abrir caminho nos hinos de sal para que quando começasse a escala estivesse tudo pronto para receber o peixe, já escalado e pronto a salgar.
Ao chegarem os pescadores a bordo por volta das três e meia e ás vezes quatro horas hora esta que o navio chamava. Se estava névoa ou horizonte reduzido eram chamados por uma sirene semelhante á dos bombeiros, e que se ouvia bastante longe, e se estava o tempo claro era içada uma bandeira preta ao meio do navio que se via muito longe, á medida que os pescadores chegavam a bordo descarregavam o peixe que tinham pescado que era avaliado pelo oficial de bordo depois á medida que ficavam livres era servida uma refeição de sopa e alguma carne, e á medida que acabavam de comer iam para a escala.
Aqui como eram muitos pescadores quando encontravam peixe, todos os dóris (botes) vinham carregados do fiel amigo, e então esta escala duraria até por volta da 1.00 hora da manhã e ás vezes até mais tarde, para logo ás 4.00 horas se ouvir novamente aquele cantar dos referidos louvados.
E era assim a vida quotidiana a bordo dos navios á linha desde o início da campanha até que terminasse, que seria fins de Setembro meados de Outubro, caso a pesca fosse boa regressariam mais cedo isto é, logo que carregassem o navio.
Falamos então um pouco sobre a pesca do bacalhau, e a vida a bordo dos nossos arrastões como se processava, isto é a partir da década de quarenta.
Como já foi dito todos os arrastões eram construídos em aço, e largavam para os pesqueiros em princípios a meados de Fevereiro, de realçar que estes navios suportavam grandes baixas de temperatura, chegando a trabalhar com temperaturas abaixo do 35º graus negativos de tal forma que o peixe quando caia no convés ficava logo gelado que tornava o seu processamento mais difícil.
Havia dias em que a rede ia para o mar num bloco de gelo, que só passados alguns minutos é que abria com a força do navio ao rebocá-la.
E como era ainda Inverno quase todos os dias estava vento que dificultava ainda mais os trabalhos destes pescadores bacalhoeiros, há relatos verdadeiros em que houve homens que o frio congelou as orelhas, e que ao mexer-lhe partiam como se fosse pedra, assim como houve também muitos pescadores que ficaram com os dedos das mãos congelados de tal forma que nunca mais conseguiram mexê-los, mas isto acontecia nos meses de Fevereiro e Março, pois a partir de Abril embora houvesse muito frio mas não era como no princípio da viagem.
Embora estes valentes guerreiros que faziam parte das tripulações dos arrastões, sofressem bastante com o frio andavam mais seguros do que os seus colegas dos navios á linha, e se tivessem a sorte de pescar bem também vinham a Portugal descarregar pelo São João, e ainda voltavam para mais uma campanha até meados de Novembro, enquanto os seus homólogos da linha faziam seis meses seguidos.
Portugal chegou a ter uma frota de navios bastante considerável a partir de 1965 os navios á linha começaram a dar lugar aos famosos arrastões popas ficando assim a nossa frota mais modernizada, que depois nas décadas de setenta e oitenta caiu a prumo restando agora meia dúzia de navios a operar nas águas da Terra Nova que já nem vão para aqueles pesqueiros lá mais para o norte, e na Groenlândia nem pensar, era dali que vinha o melhor bacalhau do Mundo, que este que hoje consumimos não tem nada que nos faça lembrar outros tempos.
Não foi uma vida que deixou saudades falo por mim, como milhares de pescadores bacalhoeiros daquela que foi uma das vidas da pesca mais escravizada, que talvez tivesse existido. Desde a alimentação ao horário de trabalho, e ás condições em que se trabalhava, ao ambiente de higiene em que se chegava andar dias e dias e até meses sem tomar um banho, e olhando para a distância entre de quem mandava e de quem obedecia, talvez casos que eram lá passados não seriam aceites pelo homem de hoje, mas todos estes sacrifícios foram abolidos graças ao 25 de Abril.
Conversa-se muito pouco de uma vida que tanto sacrifício se passou, e que daqui a uma dúzia de anos já não há ninguém neste Planeta que explique a alguém que queira saber como era o fiel amigo capturado pelos nossos antepassados.
Embarquei em 1960, segundo eu lá ouvia falar o trabalho a bordo dos nossos navios já não era nada comparado com a pesca de outros tempos.
BACALHAU
Serás sempre o rei dos peixes
Como tu não há igual
Tinhas um especial sabor
Assim todo o pescador
Não pode de ti falar mal
Habitas nas águas geladas
Da Groenlândia e Terra Nova
Para qualquer pescador
Pelo teu importante valor
Punha a sua vida á prova
Quando eras pescado por nós
Tinhas um sabor especial
Hoje és de longe importado
Mal seco e mal salgado
Já não tens sabor igual
O navio que te pescava
Tratavam-te com todo amor
Salgavam-te sempre a preceito
Quer fosses torto ou direito
Para conservar o teu sabor
Nas secas aqui te secavam
No bom Sol de Portugal
Secavam-te sempre a rigor
Para te darem mais sabor
Ao teu gosto sem rival
Chamam-te fiel amigo
Decerto com toda a verdade
Por muito que façam por ti
O teu sabor nunca mais senti
É disso que eu tenho saudade”
M.G.