Mais de 4.000 doentes com cancro ficaram por diagnosticar no último ano

Cerca de 4.450 doentes com cancro da mama, do colo do útero e colorretal ficaram por identificar no último ano devido à redução dos rastreios, segundo estimativas hoje divulgadas pelo Movimento Saúde em Dia.

Segundo a análise ao acesso aos cuidados de saúde no Serviço Nacional de Saúde, realizada pela ‘Moai Consulting’, baseada nos dados do Portal da Transparência do SNS e do BI dos Cuidados de Saúde Primários, recolhidos entre 14 e 29 de outubro, foram realizadas menos 18% de mamografias, menos 13% de rastreios ao cancro do colo do útero e menos 5% ao cancro do cólon e do reto comparativamente com 2020.

Para analisar o impacto da pandemia covid-19 na prestação de cuidados de saúde em Portugal, foram comparados os dados disponíveis referentes ao ano de 2019, 2020 e 2021, com a estimativa dos dados para os últimos meses em falta.

As conclusões do estudo, que serão divulgados hoje, em Lisboa, pelo Movimento Saúde em Dia, constituído pela Ordem dos Médicos (OM), a Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares e pela Roche, indicam que “a atividade em 2021 está a ser insuficiente para recuperar o que ficou por fazer durante a pandemia.

“A incidência de neoplasias mantém a tendência decrescente de 2020, evidenciando que muitos casos de novos cancros ficaram por identificar durante os anos de pandemia”, disse à agência Lusa o bastonário da OM, Miguel Guimarães.

Também a incidência do cancro da mama reduziu-se, entre 2021 e 2020, em 2% (menos 19% entre 2020 e 2019), a do cancro do colo do útero 15% (menos 25% entre 2020 e 2019) e a do cólon e reto 9% (menos 22% entre 2020 e 2019).

Os dados estimam que 148.845 mulheres não tenham feito mamografia nos últimos dois anos, sendo que 1.868 mulheres com cancro de mama terão ficado por identificar.

“Isto significa que em sete pessoas há uma que tem cancro da mama e não sabe, em cinco pessoas, há uma que tem um cancro do colón e reto e não sabe, em seis pessoas há uma que tem um cancro do colo uterino e não sabe”, elucidou o bastonário, considerando esta situação “particularmente grave”.

Os dados destacam também que, apesar do aumento esperado de 14% nos contactos presenciais médicos nos centros de saúde em 2021 face a 2020 (mais 1,8 milhões), este valor mantém-se distante das consultas realizadas em 2019.

Neste período, ficaram por realizar 14 milhões de consultas (6,1 milhões e 7,9 milhões comparando 2021 e 2020, respetivamente, com o ano de 2019).

Miguel Guimarães observou que mais de 1.100.000 utentes continuam sem médico de família, o que é “particularmente grave” associado ao “atraso colocado pelo excesso de tarefas covid-19 que o Ministério da Saúde deu a uma grande parte dos médicos de família”, uma situação que é preciso resolver.

A nível hospitalar estima-se que os valores de consultas e cirurgias em 2021 estejam em linha com 2019. Mas, apesar da retoma, estes valores “são insuficientes” para recuperar a atividade não realizada em 2020, estimando-se que nos últimos dois anos tenham ficado por realizar mais de 2,8 milhões de consultas presenciais, cirurgias programadas e episódios de urgência graves comparativamente com 2019.

Contudo, ficaram por realizar mais de meio milhão de primeiras consultas.

Também nas cirurgias é visível uma recuperação para valores de 2019, em particular nas programadas (2%), mas mais de 100.00 cirurgias programadas ficaram por fazer.

As estimativas apontam que 1.585.145 episódios de urgência urgentes não foram realizados em 2020 e 2021 comparativamente com 2019, assim como 920.980 episódios de urgência não urgentes.

Miguel Guimarães sublinhou que não se pode confundir a “normalização em termos de resposta” com a recuperação.

“A verdade é que os políticos falam sempre em recuperação quando têm milhões e milhões de coisas para recuperar e que ainda não recuperaram”, criticou, sublinhando que se tratam de pessoas que podem ter cancro e não sabem ou que precisam de um tipo de tratamento e não têm, doentes que não fizeram reabilitação de um AVC ou diabéticos que por descompensação tiveram que amputar um pé ou tiveram outras complicações graves.

Madremedia/Lusa