O parlamento esteve ontem reunido a debater a reapreciação do veto do Presidente da República referente à eutanásia com o intuito de hoje, sexta-feira, votar novamente o diploma que despenaliza a antecipação da morte medicamente assistida.
Muito se disse, muito se debateu, mas aquilo que talvez tenha ficado mais na memória desta quinta-feira sobre este tema foi a intervenção (ou o soundbite, vá) do deputado do PSD Adão Silva, uma vez que insinuou que o diploma foi revisto “na 25.ª hora, no momento em que está à vista o fim da atual legislatura” (e, já no dia de hoje, numa nota por escrito, acrescentou que o debate “não devia ter sido feito, como foi, de afogadilho”).
Apesar de ser algo que fica no ouvido, a contrapor esta opinião está a deputada Isabel Moreira (PS), que relembrou que quando diploma passou no parlamento — em março — já tinha sido aprovado através de um “voto particularmente informado”, porque o debate em torno da eutanásia foi um dos mais “longos, profundos, abertos e participados” na Assembleia da República.
Por seu turno, José Manuel Pureza, do BE, aproveitou para reforçar esta quinta-feira que as alterações feitas no decreto mudam quaisquer dúvidas que tenham levado Marcelo Rebelo de Sousa a levar o texto para o Tribunal Constitucional da primeira vez.
“Com o aperfeiçoamento que agora propomos, fica ultrapassada a motivação constitucional que foi a única que fundamentou o veto presidencial”, defendeu o deputado bloquista, cuja opinião é de que “deixa agora de haver quaisquer obstáculos à sua plena adoção”.
Seja como for, a realidade é que o novo decreto foi hoje aprovado pelo parlamento por maioria — pela segunda vez nos últimos nove meses. Feita a análise aritmética, o que se verifica é que do total dos 230 deputados que compõem a Assembleia da República, estiveram presentes 227, dos quais 138 votaram a favor, 84 contra e cinco abstiveram-se. E foi assim que se dividiram (de recordar de que no PS e PSD houve liberdade de voto):
- PS
Uma larga maioria votou a favor da lei, mas sete deputados votaram contra, entre os quais Ascenso Simões e José Luís Carneiro, registando-se ainda duas abstenções.
A favor: 99
Contra: 7
Abstenção: 2
- PSD
A maioria votou contra, mas 13 deputados votaram a favor, incluindo Rui Rio. Mas tal como sucedeu nos socialistas, na bancada social-democrata também houve espaço para abstenções. Neste caso mais uma, sendo que se registaram três, incluíndo a do líder parlamentar, Adão Silva, que em janeiro votou a favor.
A favor: 13
Contra: 62
Abstenção: 3
- Votos contra
Bancadas do PCP, do CDS-PP e o deputado único do Chega
- Votos a favor
BE, PAN, PEV, IL e das duas deputadas não inscritas
E agora?
Quanto às primeiras reações, pelo menos três entidades que lutaram contra esta aprovação já mostraram perplexidade sobre o que se passou hoje no parlamento, sendo que o Grupo de Trabalho Inter-Religioso- Religiões-Saúde já se manifestou igualmente nesse sentido, reafirmando “a convicção comum de que a vida humana é inviolável e indisponível”.
A bola está agora do lado de Marcelo Rebelo de Sousa, a quem cabe a decisão de vetar, promulgar ou enviar (novamente) o texto para o Tribunal Constitucional.
Abilio dos Reis / Madremedia