O Governo não tomará iniciativas para a regulamentação da lei da morte medicamente assistida até que o Tribunal Constitucional delibere sobre dois pedidos de fiscalização sucessiva do diploma que foi aprovado pelo parlamento.
No dia da divulgação de uma carta aberta subscrita por mais de 250 personalidades a exigir a regulamentação da lei da eutanásia, a Agência Lusa cita fonte oficial da Presidência do Conselho de Ministros, referindo que o Governo teve conhecimento do manifesto “e respeita esse exercício legítimo e livre de opinião no espaço público”, mas opta por não se alargar em comentários.
“O Governo não comenta especificamente o respetivo conteúdo e reconhece que se trata de matéria que é extraordinariamente complexa. A análise realizada confirma essa enorme complexidade em aspetos jurídico-constitucionais, deontológicos, técnicos e operacionais”, acrescenta-se.
O atual executivo PSD/CDS-PP considera, aliás, que “poderá ter sido essa mesma complexidade que explica que o Governo anterior não tenha procedido à regulamentação da lei, nem sequer à sua preparação, tanto quanto foi dado a conhecer ao atual Governo”.
“Apesar de ter sido sob a sua égide política que se desenrolou a iniciativa e processo legislativo, o Governo anterior não entregou ao atual qualquer documento preparatório dessa regulamentação, ainda que tenha exercido funções durante cerca de 10 meses após a publicação do diploma”, frisa fonte oficial da PCM.
O Governo recorda que “estão pendentes no Tribunal Constitucional dois pedidos de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade da lei sobre a morte medicamente assistida”, um da autoria de um conjunto de deputados do PSD e outro da Provedora de Justiça.
“Esses pedidos colocam seríssimas dúvidas de constitucionalidade e sobre o sentido de vários conceitos legais, pelo que os respetivos processos poderão permitir que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre essas dúvidas de constitucionalidade, bem como sobre a interpretação conforme à Constituição de vários dos conceitos jurídicos e operativos, cuja elucidação é indispensável para qualquer ação subsequente”, defende.
O Governo refere que, aguardando-se uma decisão judicial do TC (os pedidos entraram em novembro de 2023 e março de 2024) e “em linha com os compromissos públicos afirmados no período pré-eleitoral pelos partidos que apoiam” o executivo (PSD e CDS-PP), o executivo irá aguardar “atentamente as conclusões do Tribunal Constitucional sobre a constitucionalidade e a interpretação dos conceitos fundamentais da lei sobre a morte medicamente assistida”.
O ex-primeiro-ministro Francisco Pinto Balsemão, o ex-presidente do PSD Rui Rio, os sociais-democratas André Coelho Lima e Teresa Leal Coelho, o atual e ex-líder da IL, Rui Rocha e João Cotrim Figueiredo, bem como a líder parlamentar liberal, Mariana Leitão, a socialista Isabel Moreira, os bloquistas Francisco Louçã, Catarina Martins e José Manuel Pureza, Rui Tavares (Livre), Inês Sousa Real (PAN) e Heloísa Apolónia (PEV) são alguns dos signatários da carta aberta, divulgada no jornal Público.
Os subscritores, em que se incluem também os ex-candidatos presidenciais Ana Gomes e António Sampaio da Nóvoa, consideram que “não há razão para que a lei não seja regulamentada e aplicada”, depois de ter sido publicada em maio de 2023.
Em 2 de novembro de 2023, um grupo de deputados do PSD entregou um pedido de fiscalização sucessiva da lei, pedindo ao TC que avalie a constitucionalidade da própria regulação legal da eutanásia, que consideram ir contra “o princípio da inviolabilidade da vida humana e a inexistência de um direito fundamental à morte autodeterminada”.
Se tal for considerado constitucional, os deputados pedem a avaliação de cerca de 20 normas do diploma que consideram ser inconstitucionais.
Em março deste ano, a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, requereu também ao TC a declaração de inconstitucionalidade da lei da morte medicamente assistida depois de ter recebido algumas queixas que considerou fundamentadas.
A lei da eutanásia foi promulgada em 16 de maio de 2023 pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, mas aguarda ainda regulamentação.
Trata-se da primeira lei portuguesa sobre esta matéria, que estabelece que “a morte medicamente assistida só pode ocorrer por eutanásia quando o suicídio medicamente assistido for impossível por incapacidade física do doente”.
O diploma resultou do quarto decreto aprovado pelo Parlamento para despenalizar a morte medicamente assistida em determinadas condições, depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter enviado o primeiro decreto para o Tribunal Constitucional, em fevereiro de 2021, vetado o segundo, em novembro do mesmo ano, e enviado o terceiro também para fiscalização preventiva, em janeiro.
RTP Notícias e Lusa