Os jovens portugueses continuam a ver na emigração uma solução face à dificuldade de arranjar emprego, como aconteceu na anterior crise financeira, mas desta vez só abandonam o país com uma oportunidade garantida.
A covid-19, e consequentes confinamentos que o país enfrentou, mexeram nas contas de todos os portugueses, causando o fecho temporal ou mesmo o encerramento definitivo de inúmeros negócios, o que levou muitas pessoas para a situação de desemprego.
Ritha El Fakir, de 27 anos, foi uma das várias funcionárias do Aeroporto de Lisboa que ficou sem emprego em 2020 e, desde então, não conseguiu obter resposta a qualquer candidatura que tenha feito para empregos na área do turismo, na qual é licenciada. Não descarta a possibilidade de mudar de país.
“Se arranjasse um trabalho na minha área, que fosse bem remunerado, provavelmente ia [para fora], mas acho que só se estivesse na situação de ter uma proposta concreta”, explica.
Raquel Varela, historiadora, investigadora e professora universitária, lembra que após as medidas resultantes da crise financeira de 2008, “houve uma vaga de emigração de cerca de meio milhão, a maioria jovens”, situação que nunca foi revertida depois das melhorias no país a nível financeiro, ainda que uma parte tenha caráter sazonal.
“Dos cerca de 100 mil ou 120 mil emigrantes que saem anualmente, metade regressam ou vão trabalhar durante curtos períodos”, explica Raquel Varela.
Cátia Vieira, de 30 anos, deixou Portugal em 2013 para trabalhar em barcos de cruzeiro e, desde 2015, depois de uma tentativa de regresso ao país de origem onde voltou a encontrar portas fechadas a nível profissional, vive permanentemente em França.
Quando chegou a França, deixando para trás uma crise que não era mundial, não levava nenhum emprego garantido, mas demorou apenas um mês a encontrar trabalho e dois meses depois já tinha passado a efetiva na empresa.
Eu acho que se um português quiser vir para França nesta altura nenhuma porta vai ser fechada. A facilidade não vai ser tanta como na altura em que eu vim e ainda mais no meu setor [hotelaria], que está bastante afetado neste momento”, diz Cátia Vieira.
Uma das áreas que foi mais afetada pela pandemia em Portugal foi a da cultura, área em que Jéssica Ferreira é licenciada – Gestão Artística e Cultural -, o que a leva a pensar na possibilidade de emigrar, ainda que concorde em deixar de fora a possibilidade de ir sem garantias, atrás do desconhecido.
“Ou vais com tudo tratado, já para entrar, e acredito que haja muitas empresas que estão a contratar, ou se fores a pensar ir para depois, lá, procurar emprego, acho mesmo muito complicado. Neste momento, e é também o que sinto cá, [as empresas] pensam primeiro em preservar o emprego das pessoas que lá estão”, afirma Jéssica Ferreira.
Hoje com 26 anos, Jéssica trabalha numa loja e, mais do que a falta de oportunidades de emprego, o que a leva a pensar em sair do país é a falta de “formação mais específica” na sua área e a forma como considera que o universo das artes funciona: “Acho que é muito por cunhas. Ao nível das artes, acho que acaba por funcionar um bocadinho assim, infelizmente”.
Quando Cátia Vieira mudou de país, a forma como o mercado de trabalho funcionava em Portugal passava por “qualificações a mais, ou experiência a menos”, explica, mas nessa altura os outros países tinham capacidade para reter trabalhadores portugueses, algo que ainda não se consegue saber se vai acontecer ao longo desta crise.
“Não é possível para já comparar, até porque a emigração não aumenta só em função da crise em Portugal, mas da capacidade dos outros países de absorverem força de trabalho portuguesa. Nós não sabemos se a crise nos outros países não vai ela própria impedir esta válvula de escape histórica que é a emigração portuguesa”, explica Raquel Varela.
O último relatório da Emigração, divulgado em dezembro de 2020, relativo a dados de 2019, mostra que o Reino Unido foi o país para onde emigraram mais portugueses naquele ano, cerca de 25.000 das 80.000 saídas de Portugal nesse período, seguindo-se a Espanha e a Suíça.
Elaborado pelo Observatório da Emigração, um centro de investigação do ISCTE -Instituto Universitário de Lisboa, o documento dá conta de uma “estabilização do volume da emigração portuguesa”, indicando que em 2019 terão saído de Portugal cerca de 80.000 portugueses, número semelhante ao ano anterior e ligeiramente inferior aos 85.000 que saíram em 2017.
Lusa